CAMELOT
Fátima de Carvalho Palácio
Hoje vou jantar com você.
Tenho saudade de teus filhos. No telefone, ouvi ao fundo o som de um deles. Talvez, poderia ser apenas a televisão, o rádio, o jardineiro.
Perdi a noção do tempo. Se os encontrasse na rua, seriam desconhecidos.
Afetos desconhecidos.
Lembro de quando brincávamos de Camelot.
Você, um rei Arthur bonito como Sean Connery. A Távola Redonda na grama, a faca de cortar pão nossa Excalibur brilhante.
Nessa época fomos felizes. Brincamos de reis, rainhas, nossos cálices erguidos para a árvore, brinde pela justiça, pela paz.
Um reino no fundo do quintal.
Eu adiava reuniões, driblava o tempo. Gostava de ficar com tuas crianças. Perdida entre lagos, magos. Às vezes, em tardes de sol Merlin aparecia.
Um Merlin de chapéu de bruxo, pontudo. Disposto a materializar bolinhos de chuva, talvez até uma torta de chocolate.
Mas em algum momento eu, a rainha mãe, comecei a ficar cansada. Você, um rei obediente, atento, sorria e me deixava descansar.
Camelot começou a ficar silencioso.
Excalibur voltou ao seu lugar na cozinha. Descobrimos que, no quintal, sapos espreitavam o reino.
Merlin renunciou à magia. Foi ser executivo na IBM. Bem, tem lógica.
Hoje vou jantar com você.
Antes de sair, tenho vontade de colocar em minha bolsa a faca de cortar pão. Será que um rei reconhecerá sua Excalibur, mesmo disfarçada?
Será...
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