O REI DO
PEDAÇO
Bruno Freitas
O carro trafegava vagarosamente interditando o resto da pista, um motoqueiro zigue-zagueava por toda avenida, devia ser aquele do Contrera, que eu também quase xinguei, mas contive-me. A faixa da direita andou, e rapidamente eu estava mudando de via, mesmo sabendo que naquela pista somente para conversão. Não fiz a conversão, segui em frente, atropelando quatro baratinhas reluzentes e fosforescentes, para a melhor visualização do motorista. Passei por cima, como um cego atravessando a avenida. Segui reto, e só não levei multa alguma, porque não havia nenhuma autoridade presente.
Pelo resto da avenida o trânsito fluía tranqüilamente, continuei observando a bela folhagem do canteiro, que quase segui muito longe de meu rumo. A eventual entrada à direita já havia passado - devia estar uma loucura a essa hora da tarde - também não entrei na segunda, entrei naquela mais secreta de todas, e deparei-me com um trânsito lento e distraído com aquelas meninas que saíam das academias. Puta que o pariu! Como é que foram descobrir essa entrada, se eu não falei a ninguém?
A faixa da direita continuava movendo-se mais rápido que a da esquerda, mas o simples fato de mudar de faixa, podia significar a mudança de situação. Mantive-me na faixa esquerda, esperando a tal mudança... Mais alguns minutos e nada ainda, nem mesmo um centímetro. Mudo de faixa, com a paciência exaurida, e sigo feliz, sempre em frente. Com o velho sorriso nos lábios de quem vai chegar mais cedo em casa.
Uma inevitável parada não programada, a faixa da esquerda começava a se mover e eu ali, parado e preso na faixa direita. Puta que o pariu! Quem foi o imbecil que meteu e bateu o carro ali na frente? Só podia ser isso - alguém mais rápido que o pensamento, chocou-se com o pensamento de um outro, que andava devagar demais pra acompanhar o inconsciente coletivo de todos os outros pilotos do autorama. Mudei de faixa, fui mais uma pra esquerda, e encontrei-me no paraíso das faixas exclusivas dos ônibus.
Corria mais que o vento, atrás da felicidade de estar em casa mais cedo que o costume. Sabia que logo em frente, uma parada de ônibus me aguardava, e como toda parada tem um ônibus parado, seguia na iminência de mudar rapidamente de faixa. Infelizmente mudar de faixa eu não podia, e na parada ainda havia um ônibus quebrado. Não apenas um ônibus parado, e esperando entrarem os passageiros pra seguirem viagem. Um ônibus quebrado! Impedindo toda sua intenção de seguir a inércia que te levaria pra casa. Uma parada brusca e obrigatória. Tudo que você mais precisava. Por que é que não ouvi o Contrera, e xinguei o motoqueiro?
Depois de virar até retardatário, consegui contornar a velha carcaça ambulante do ônibus parado. Seguia tranqüilamente pela rua até chegar na entrada inevitável, a única que me levaria ao meu destino final. Peraí, deixa esse ônibus passar, assim não posso entrar. O maluco atrás de mim enfureceu-se pela minha redução, que se foda... Dá um tempo!
Eu nem xinguei o motoqueiro, fiquei quieto atrás do ônibus quebrado, e agora me deixa entrar pra direita em paz. Aqui mando eu! Sou o rei do pedaço! Nem vem que não tem...
A rotina diária dos engarrafamentos torna-se pior pelo fato de você estar completamente despreparado pro que der ou vier. Queria eu ter um helicóptero, porque nem mesmo um motorista iria resolver. Queria trafegar somente tarde da noite, com uma avenida só pra mim, onde todos os outros carros desaparecessem. A melhor coisa que há, é um feriado prolongado, quando você pode arriscar-se a passear fora de seu reinado, lá no centro da cidade, onde todas as faixas têm dono, e cada uma é especialmente dedicada à você.
Por que toda vez que você sai de casa tem de deparar-se com aquele puto do motoqueiro sem respeito, que nem sequer tomou conhecimento do seu reinado nas pistas do autorama.
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