CAVALOS E ALFACES
Beto Muniz

 
 
Sei que sou um obscuro escritor amador, mas convenhamos, depois de tanto tempo devo ter conseguido estabelecer com algum leitor mais obstinado, uma relação de fã e ídolo. Gosto dessa situação, porém minha responsabilidade aumenta quando começo a pensar que tenho fã, e talvez continue escrevendo um texto quinzenalmente como agradecimento ao meu fiel leitor. Porém, dessa vez tenho que ser sincero e admitir minhas limitações, pois não sei o que escrever que envolva um rei, ou para ser extremamente fiel ao tema sugerido, "O Rei".

Minha intimidade com esse tipo de governante está limitada aos contos infantis que lia quando menino. Se bem que o contato foi mínimo já que a maioria das histórias conta mais sobre fadas, bruxas, princesas, príncipes e até sapos, que propriamente sobre reis. Pensando bem - e quem sabe livrando a cara diante do meu fã - durante um bom tempo da minha vida eu convivi com um Monarca. Meu cavalo.

Se eu quisesse dizer a verdade diria que era o cavalo da família logo que mudamos para Minas Gerais, mas como o Monarca servia a família apenas nos finais de semana, puxando a charrete em direção a vila, e durante a semana estava à minha disposição, posso dizer que era o meu cavalo - para puxar a charrete no decorrer da semana meu pai preferia a Macaca, nossa égua.

De segunda a sexta, comigo no lombo, o Monarca galopava em direção à vila onde eu tinha hora marcada com Dona Eunice, minha professora. Enquanto eu aprendia o bê-á-bá, a somar, multiplicar e etc, o Monarca dividia capim com outros da sua espécie no pasto ao lado da escola. Recordo agora que a volta para casa sempre envolvia uma aposta com outros alunos. Éramos uma dupla invencível... Exagero, mas a verdade é que raramente o Monarca perdia uma corrida para outro cavalo. Lembro que eu ainda quis ampliar minha vantagem numa disputa e galopei por entre as tumbas e jazigos do cemitério municipal, que não tinha muro. O Monarca afundou uma das patas dianteiras num buraco de tatu ao lado duma tumba e nesse dia eu perdi a aposta e o cavalo.

Naquele tempo animal de grande porte não sobrevivia à uma pata quebrada, por mais que o dono quisesse. O monarca foi deposto e eu fiquei de castigo muito tempo, percorrendo a pé as duas léguas que separavam o sítio da escola.

Mas não foi só esse o meu castigo! Meu pai cultivava uma horta comercial no sítio e me encarregou de fazer as entregas na vila. Por necessidade profissional a Macaca foi colocada à minha disposição, mas eu estava proibido de cavalgá-la. Minha tarefa era conduzir a charrete carregada de verduras e legumes até a vila e, antes de ir pra escola, entregar os produtos encomendados e anotar os pedidos para o dia seguinte. Gente honesta que marcava cada aquisição na caderneta e pagava corretamente no fim do mês sem tentar levar vantagem numa folha de couve sequer. O carro chefe da horta era a alface - excelente! segundo a freguesia fiel, e por causa disso fiquei conhecido como o menino das alfaces. Eu me sentia, e me tornei, o rei das alfaces. Pelo menos naquela vila.

Percebe fiel leitor, como fui mexendo, escrevendo, recordando, inventando, mentindo e no final da história "O Rei" pedido no tema da quinzena sou eu? Foi só começar a escrever, a lembrar um detalhe, um cavalo, uma alface que no final me tornei rei. Tudo bem que é O Rei das alfaces, mas rei, e quem já foi rei nunca perde a majestade... eu sei, forcei. Desculpe!

 
 

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