QUARTA-FEIRA DE CINZAS,
GRANIZO E ESTILHAÇOS
Paulo Panzoldo
Final de tarde na Capital de São Paulo. Tudo corre dentro do que se considera normal para uma quarta-feira de cinzas paulistana. A Gaviões ainda comemora o campeonato, a X-9 ainda chora o minuto perdido no Sambódromo, bancos são assaltados antes de abrirem suas portas, chacinas ocorrem pela periferia, rádio e TV divulgam o balanço dos acidentes nas estradas estaduais, pais aguardam a chegada dos filhos, filhos curam a ressaca dos pais. De repente, alguém de dentro de um Passat de cor azul (será isso uma marca registrada do crime organizado?) que passa pela Avenida São João lança uma granada de mão, dessas de fragmentação, capaz de atingir tudo o que estiver ao redor de um raio de aproximadamente 30 metros. Constam cinco feridos na lista dos encaminhados à Santa Casa de Misericórdia. Todos funcionários da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Suspeita-se do PCC, diz o Secretário.
No mesmo instante, mais a Leste da cidade, um vento de 60 knots (mais ou menos 100 km por hora) aumenta consideravelmente a força e o peso do granizo, ferindo levemente algumas pessoas e amassando alguns carros. O córrego Aricanduva atinge seu limite máximo e, com o passar do tempo, a chuva torrencial que continuou castigando a cidade faz com que o rio demonstre sua força, empurrando dezenas de veículos com todos os passageiros em seu interior. Do alto, os helicópteros das Tvs filmam tudo: pessoas ilhadas, desesperadas, crianças sendo retiradas do interior dos carros pelo Corpo de Bombeiros, casas e lojas inundadas. É o caos. Em meio a esse desespero todo, lixo, muito lixo: tábuas, garrafas plásticas, latas, sofás, gaiolas, panelas e outros quetais (sic). Quanta sujeira!
Mas alegria de paulistano é assim mesmo: dura pouco. Se na viagem de férias ou desses feriadões que só o Brasil conhece, o sujeito consegue sobreviver aos congestionamentos, aos buracos das estradas federais, às enormes filas formadas nas padarias e supermercados das cidades litorâneas, ao frango com farofa e maionese, ao espetinho de camarão regado a cerveja quente e caipirinha aguada nas praias lotadas, pode ainda chegar em casa e encontrar a porta arrombada, com tudo revirado. Cadê a TV? O vídeo? O som? Foram-se! Esse é o grande tesão da coisa. Aquele friozinho na barriga, inigualável, de ter a privacidade do lar violada por desconhecidos. Só quem não tem alarme tem direito a essa sensação. Os mais precavidos, esses têm seu divertimento interrompido pelo telefonema de um vizinho. O sujeito está saboreando aquela sobrecoxa do frango bem passado quando toca o celular: é algum chato avisando que o alarme da casa disparou, a porta está arrombada e levaram tudo. Tudo? Tudo mesmo? Tudo o quê? Pronto, lá se foi o feriadão.
Agora, gostoso mesmo é ir até a delegacia do bairro para registrar a queixa. Lá o sujeito encontra as mesmas pessoas que estavam na Baixada. Decidem tomar uma saideira no bar da esquina enquanto aguardam a vez de serem atendidos pelo doutor Delegado. Alguém bate numa caixinha de fósforos e começa o pagode. É o fim da quarta-feira de cinzas paulistana.
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