MORRE ÁGUA, NASCE TERRA
May Parreira e Ferreira

O dia deu em tanto sol, que a mulher se olhou no rio e jogou-se peixe, desceu correnteza, conheceu o sertão e desaguou-se no mar do norte.

Nunca mais os domingos cansativos, segundas modorrentas. Se a dieta era necessária seria então agora, já, neste exato momento. Uma dieta de vida, era disso que ela necessitava, uma dieta de vida. As chuvas de março desabaram em janeiro, assim ela chegou mais rápido ao seu destino.

Águas de musgo verde, margens cheias de pedras, pequenas conchas a rolar lentamente, interessante ver o rio desde este ponto de vista. Olho de peixe, casca de tartaruga, nariz de tubarão. 

O sol de fora, está longe a perseguir o gado no pasto, os homens trancados em carros. O sol fica pequenino para os astronautas dos mares, sem peso, sem medidas.

A mulher, ou o peixe, aquela que não é sereia sorriu. Não mais desejo de chocolate, não mais cintura apertada. Tudo são espinhos na memória.

O rio é doce, amarelado, barrento, cheiro de melaço da cana. Correnteza vigorosa e constante. Dá-se um tempo e o rio fica calmo, aberto em lagunas, o mangue, os caranguejos. Galhos lambendo gotas, chorões desalinhos lamentando um não-sei-quê da alma.

A mulher-peixe, o peixe-mulher, aquela que não é sereia, nunca seduziu ninguém, chorou e não aumentou as águas do rio. Choro pequeno, insosso, derradeiro, choro de peixe que já foi mulher.

Numa quarta-feira qualquer, chuva fininha caindo na frente do sol de primavera, a que foi mulher um dia, viveu peixe no outro, nasceu flor, para lá das terras do norte. 

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