QUARTA-FEIRA SIMPÁTICA
Marta Rolim

O texto rezava bem claro: no meio da semana, depois da terça-feira e antes da quinta, o ritual deveria ser cumprido, rigorosamente seguido, se não... nada de bênção e sorte! E nem pensar em riqueza e conquista do amor perdido, muito menos em paz mundial! Haveria de se ter fidelidade e bom coração - Oxalá! Isso sim! - ou as graças não seriam alcançadas.

Os preceitos tinham de ser respeitados, sem questionamentos vãos, típicos dos de pouca fé. Então... Foi o que fiz. Exatamente. Arrumei as cumbucas de barro e madeira, dispus os vasos caprichosamente; providenciei o saco de pipoca doce, de forno; comprei as balas de mel; colhi as folhas de bananeira; arranjei as garrafas de cachaça, da boa, e comprei uma galinha preta. Pronto, nada faltava. E a quarta-feira estava logo ali, distante apenas dois dias, circulada em vermelho no calendário.

Pus a galinha num cercado improvisado no quintal, mas com água fresca, um pouco de sombra do cinamomo e milho espalhado pelo resto de grama verde que havia no chão. Um cantinho bem favorável para a simpática ruiva, "Quarta-feira", que deve ter gostado do cercado porque parecia feliz e satisfeita com o canto de terra que lhe cabia.

Na manhã seguinte acordei animada. O rosto de Benedito me vinha à mente com sorrisos e olhares, com desejo de beijos e reconciliação... Era bom presságio, talvez a macumba já fizesse algum efeito antecipado, sabe-se lá, porque de feitiço e urucubaca entendo pouco. Só de uma coisa eu tinha certeza: no meu coração Benedito estava mais perto e a cada palpitação eu sabia: ele ainda era meu.

Passei o dia arrumando os apetrechos da simpatia, arrumando todos os detalhes à exaustão. Escolhi no mapa da cidade uma esquina apropriada, um cruzamento perfeito entre duas largas avenidas, com canteiro central de bom tamanho. Via pouco movimentada à noite, relativamente discreta, mas suficientemente iluminada. Sim, tratei de planejar cada passo. Levaria os utensílios e alimentos numa mochila, a Quarta-feira enrolada em jornal, pés amarrados. Estacionaria o carro numa ruazinha paralela, bem próxima, e dali rumaria a pé para o meio das pistas. Sim, sem problemas.

Depois, não tendo mais o que fazer e querendo aliviar uma certa revolta no estômago, fui varrer o pátio e cuidar da Quarta-feira, alisar suas penas; ampliar o galinheiro, que comecei a achar por demais pequeno; trocar o pote de água; distribuir mais milho e restos da verdura que sobrara do almoço.

Quando a noite chegou fiz tudo como planejara. A mochila cuidadosamente preenchida; Quarta-feira debaixo do braço, agora deitada no banco do carona, com olhos aflitos que olhavam tudo.

Estacionei fácil na rua paralela. Pouca gente, pouco trânsito. No canteiro "de obras", catei Quarta-feira; as velas brancas e amarelas; o fósforo; a faca afiada; o papel de seda rubro; a pinga; as folhas verdes; as balas de mel e as pipocas. Tudo certinho. A "mesa" posta ficou uma beleza! Uma linda oferenda, sim Senhora. Disse a reza forte três vezes, não esqueci uma palavra sequer, chamei Benedito e amarrei os caminhos dele com os meus, bem amarradinho. O fujão tava garantido, do casamento não escapava mais. Meu coração tremia, alvoroço e felicidade.

Podia partir. Serviço feito!

Voltei pra casa. Não sei, fiz a simpatia como mandava o figurino, coloquei até algumas balinhas e velas a mais... Mas o Benedito não voltou... Não sei, talvez tenha sido aquela quarta-feira esquisita, véspera de feriadão, perdida no meio da folhinha... Talvez tenha sido porque não pude... Voltei com ela debaixo do braço, vivinha!

Vai ver que o amor do Benedito não valia uma Quarta-feira tão simpática!

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