CASTELO NEGRO
Juraci

Era quarta-feira de carnaval. Entardecia. O sol avermelhado sumia devagarinho no horizonte do mar. Eu caminhava no calçadão. Uma multidão barulhava desordenadamente. Muitos ritmos se confundiam com buzinaços de carros, gritos humanos eufóricos - talvez pelo excesso de bebidas alcoólicas - e trios elétricos ainda em atividade carnavalesca. O povo queria mais e que o frenesi nunca tivesse fim. Mas, eu estava sozinho, me sentia sozinho. Saturado de folia. Já era o fim para mim. Uma confusão se embaralhava em minha cabeça. Cambaleante, acreditava a rua estar mais estreita. Alguns carros dividiam comigo o caminho, às vezes, imprensando-me nas paredes dos casarões antigos. Gritei palavrões num desabafo que não era ouvido. A noite chegou por completo trazendo um perfume salgado de mar. Eu via o mar imenso. O céu estrelado colaborava com a lua derramando cascatas prateadas no verde imenso. Distanciei-me da folia e o barulho ficou para trás. Aproximei-me da água. Mirei o líquido salgado. Peguei-o com as mãos trêmulas. Estavam trêmulas, deveria ser pelo perfume que colhi dela, naquele escurinho. No escurinho ela se escapou de mim. Ingrata...

Escutei o murmúrio, o choro do mar. Sim, ele também chorava. Parecia convidar-me para uma dança melancólica. Um nado infrene. Eu não sabia nadar e queria nadar. Pensei no machado sem cabo quando atirado na água. Faria igual a ele. E o mar avançava, parecia puxar-me, querer abraçar-me. A areia escorregava sob os meus pés numa luta com a furiosa onda. Deitei sobre o solo e a cada momento a onda vinha mais forte, cobrindo o meu corpo. Nos pequenos intervalos, eu olhava para cima, para o nada. Ignorava até o brilho das estrelas. Estava uma escuridão dentro de mim. O meu castelo de sonhos estava negro. Sempre foi. O Léo do pandeiro - apelidaram-me assim - queria sentir outras emoções fortes, ultrapassar barreiras de infância, de adolescência mas, eram marcas crônicas, intransponíveis. Procurei mais uma válvula de escape. Estava ali presa no meu cinturão em formato de aparelho celular, para enganar àqueles. Inalei com volúpia. Exagerei. Eu sempre exagerava. Sabia do caminho tortuoso que percorria. Não me emendava. Quis me levantar. As minhas pernas não agüentaram o meu corpo. Caí pesadamente de bruços. Recebi vários abraços do mar cada qual mais apertado. Embalei-me na fúria daquela onda gigantesca que lavou todas as minhas marcas e até a minha vida.

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