PRECIOSO
Beto Muniz

 
 

Quando a gente, que está destreinado, se mete a fazer bonito, a coisa fica feia. Na semana que antecede ao carnaval fui obrigado, pelas circunstâncias financeiras, a aceitar uma proposta de trabalho. Já que queria fazer uma média com a empresa, disse que estava disponível para início imediato. Não acreditei que seria contratado antes do carnaval. "No máximo na quarta-feira de cinzas", pensei. Dancei sem música! Comecei no novo emprego na sexta pela manhã. O pior é que trabalhei no fim de semana de folias e já na segunda-feira de festas estava embarcando para Porto Alegre. Treinamento!

Cena básica: uma fila de foliões ululantes fazendo check-in na ponte aérea Rio-São Paulo e eu engravatado na fila para o sul do país. Cena trifásica: eu detesto carnaval, gravata e avião. Nesta ou em qualquer outra ordem.

Sei que esse relato dos meus primeiros dias na nova empresa e informações do que eu gosto ou desgosto não tem graça, mas continue a leitura. A graça está em descobrir se me dei bem ou não voando engravatado em pleno carnaval. Aliás, vou acabar com a expectativa e com a graça: lógico que eu não me dei bem.

Quando eu estava chegando à área de check-in um ser fantasiado de donzela, acompanhado de meia dúzia de bestiais foliões, abordou-me parecendo que respeitava minha gravata:

- Qual o seu nome?

- Adalberto, por quê?

A criatura não considerou o nó impecável junto ao meu colarinho, ignorou-me e gritou a informação para os bestiais:

- ADALBERTO!

A troupe abestada saiu em fila indiana rebolando e cantarolando num ritmo bem dominical:

- O A-dal-bééér-to lá, laia-laiá-lá-lá laia-laiá-lá-lá-lá-lá-lá...

Fiquei constrangido e entrei na primeira fila para check-in que vi, fingindo que o fulano apresentado pelo "trenzinho" não tinha nada a ver comigo. Mas a troupe de bobos prosseguia me seguindo e cantando o A-dal-bééér-to lá, laia-laiá-lá-lá como se fossem integrantes do auditório de algum programa de calouros.

Depois de minutos os foliões resolveram atacar outro incauto e eu continuei na fila. Ainda tentando dirfarçar o restinho de vexame, percebi que estava sendo chamado pela mocinha uniformizada. Aliviado diante da possibilidade de sair definitvamente do inferno carnavalesco, atendi ao chamado e avancei além da faixa amarela com a mão estendida oferecendo a ela meu bilhete de passagem.

- O senhor é ouro ou diamante?

Nossa! Eu? Ouro ou diamante? Não entendi, mas a mocinha bonitinha olhava sorridente como se eu fosse realmente uma jóia. Não seria um engano? Fiquei me avaliando enquanto os olhos azuis da atendente cobravam uma resposta. Ouro? Que nada, sou apenas um monte de ossos encapados com carne, pele e um tanto de banha. Diamante? Nem pensar. Segundo as escrituras sagradas estou mais para barro e ao barro devo retornar quando chegar o fim dos meus dias... Meu raciocínio não foi capaz de decifrar o enigma e assumi minha ignorância:

- Desculpe, não entendi.

- O senhor não está cadastrado no programa de milhagem da empresa?

- Nem sei o que vem a ser esse programa.

- Desculpe, mas esse guichê atende apenas os clientes cadastrados.

Novamente constrangido balbuciei:

- Então não sou precioso?

- Perdão?

- Nada, onde faço o check-in?

- Guichês oito e nove, senhor.

Botei minha mala novamente no carrinho e fui procurar a fila dos mortais comuns, feitos com o mais mixuruca dos barros.

 
 

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