GALHO DE
ARRUDA
Larissa Meo
Ontem acordei atravessada. Pelo menos foi assim que a dona Lourdes, do apartamento 63 aqui do prédio, sutilmente classificou o meu mau humor. Pois é, meus hormônios estavam em fúria anunciando a tal TPM. E nem dá pra fingir que não está acontecendo nada porque fica estampado na cara e no resto. Conheço mulheres que conseguem até fingir que sabem nadar, mas não conseguem disfarçar a TPM, isto sem falar nas outras coisas que elas fingem. Mas aqui a história é outra. Tentando ver o lado bom das coisas, pensei com os poucos neurônios que não estavam contaminados com o excesso de testosterona:
- Tudo Pode Melhorar após os 50. Será?
É, a TPM melhora, mas o resto cai, viu! Enquanto eu não chego na fase dos 50 eu provo aos 30 pra quem quiser ver e ouvir que mulher antes e durante a regra nem vizinha fofoqueira pode. Segue o relato da mulher invisível.
Para aliviar a pré-tensão tive a feliz idéia de ir até a padaria comprar um pãozinho para fazer uma média. No elevador dei de cara com a dona Lourdes. Ela é uma velhinha daquelas que parece ter saído de uma história infantil. Cabelos branquinhos, pele fininha, olhos azul e vestido com rendinhas. Uma doçura em forma de gente. Muito intuitiva, ela percebeu que eu não estava num dos meus melhores momentos e disse:
- Bom dia! Você sabe que a saudação é o que alegra o coração e nos faz começar o dia feliz?
- É mesmo dona Lourdes?
- É, aprendi com minha mãe. Às vezes a gente acorda meio atravessado, mas um sonoro bom dia nos faz acordar para a vida. Você não acha?
- Acho que ajuda bastante.
- Você não quer tomar um café comigo um dia?
- Acho que seria bom. Podemos combinar, disse eu.
Fui até a padaria e voltei feliz. Trocar aquelas simples palavras com uma pessoa tão amável me fez sentir mais calma. De volta ao prédio encontro com ninguém menos do que a dona Carmem do 82. Para quem tem juízo é melhor fugir daquela mulher porque ela fala mesmo. E fala mal. Fala mal de todo mundo e se você virar as costas ela fala mal de você também. Em três minutos juntas no elevador ela especulou a minha vida até onde pode e ainda me convidou para tomar café na casa dela. Querendo sumir dali eu disse para aquela simpática criatura que o convite apesar de ser muito agradável teria de ficar para outro dia. Para arrematar o encontro ela me disse com ar sério:
- Olha que eu vou cobrar este café viu?!
Ela saiu do elevador e logo deu para sentir que o ar já não era o mesmo. Aquela sanguessuga de bons fluídos levou para si o maravilhoso bom dia da dona Lourdes e deixou no lugar uma nuvem preta em cima da cabeça. Quando cheguei em casa eu estava tão desanimada quanto na hora que havia saído para a padaria. Foi aí que minha faxineira, dona Maria, embora muito simples, mas cheia de sapiência, notou que as coisas não estavam como deveriam estar.
- A senhora tá boa?
- É dá pra falar que mais ou menos. Ainda não decidi se é para mais ou para menos.
- A limpeza num tá do jeito que a sinhora qué?
- A limpeza aqui em casa está boa, mas o que eu queria era fazer uma catarse por aí. Fico pasma de ver como tem tanta gente inconveniente.
- Fazê uma o quê?
- Catarse é como fazer uma limpeza, só que na ética, na moral e nos pensamentos das pessoas.
- Ah, mais isso dá pra fazê.
Foi aí que a dona Maria correu até o banheiro para buscar seu segredo. Da bolsa surrada ela tirou um livro fininho, bastante amarelado com o tempo, sem capa e riscado de caneta verde. Era um livro de simpatia. Na verdade o livrinho era um verdadeiro tratado de cultura popular que dava receitas para curar desde argueiro até conquistar a tranqüilidade. E ela botava fé.
- Qual é problema da sinhora?
- Tem aí como se livrar de vizinhos chatos?
- Isso é o que mais tem.
- Cê faiz assim ó...Coloca um galho de arruda atrás da orelha. Dá também para fazer um chá de pimenta malagueta pra derramar na porta do fofoqueiro. E dá certo, viu.
E foi assim. Dona Maria fez a simpatia e eu nunca mais encontrei com a dona Carmem do 82. Fiquei sabendo meses depois que ela até se mudou para outra cidade. Até então não havia ligado os fatos com a simpatia da dona Maria. Só tive a comprovação de que a coisa funcionava mesmo quando ela fez uma para curar meus calos do pé e receitou outra para marido arriado. Funcionou de novo. Sempre que encontro com a dona Lourdes eu lembro da história e penso que na vida tudo tem dois endereços. Basta a gente escolher para qual deles quer ir. Não acha?
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