CAFÉ AMARGO
ou
SUPOSIÇÕES EM TORNO DE UMA ESPERANÇA
Ubirajara Varela

"Ganhe sua própria casa com o café Três Corações©!" Este é o slogan da mais nova campanha publicitária que anda sacudindo a cidade. Nos supermercados, de forma impressionante, as embalagens de outras marcas ficam encalhadas nas estantes, enquanto que a promovida pelo sonho da casa própria falta.

A situação está tão difícil que o povo tenta se agarrar a qualquer promessa. Não é porque as pessoas são facilmente enganadas ou ingênuas (talvez um pouco, sim), porém os recursos utilizados pelas peças publicitárias e estudos modernos sobre marketing vêm conseguindo resultados fabulosos na persuasão e sugestão sobre o público.

Outro dia, fiz uma visita a um vizinho. Amigo antigo, enquanto preparava o café que me ofereceria, da marca já mencionada, discursou sobre suas possibilidades de ganhar uma das poucas casas que são sorteadas entre os milhões de concorrentes. E seus olhos brilhavam de esperança. Parece que as pessoas andam carentes e desacreditadas a tal ponto que qualquer vislumbre de prosperidade, ainda que seja uma centelha de luz, vira um clarão enorme. A dificuldade é tamanha - e amarga - que a esperança tornou-se o único prato doce a se saborear.

O caso é que o pai deste meu vizinho, sentado em um canto da cozinha onde passávamos a bebida rica em cafeína, fumando o seu cachimbo, resolveu mostrar que alguém ainda pisa o chão com os pés.

- O meu filho, não se engane desse jeito. Você sabe como é difícil ganhar alguma coisa nesta vida. Ainda mais nestes concursos embalados, onde tudo são cartas marcadas.

- Pai... São três casas. Por que o senhor supõe que uma delas não pode ser nossa? É claro que temos chance, sim!

Eu resolvi não intervir na conversa, embora minha atenção fosse total. Não perdi um detalhe sequer: gestos, luz e palavras.

- Olha, meu filho. Você já fez as contas?

- Como assim, Pai?

- Três casas, certo?

- Sim, três! - contando nos dedos - Três sorteios, três chances, três vezes. E eu mandei três cartas, com três embalagens de café Três Corações. - o rapaz empolgava-se na multiplicação de suas possibilidades.

- Para quantos milhões de pessoas deste Brasil?! As chances são muito pequenas. Participar, tudo bem. Mas não vale a pena se desgastar tanto com esta expectativa. Quando sair o resultado, você vai se decepcionar, e muito. Vai se sentir um tolo. - disse com experiência.

- Meu Pai! - falou, um tom sério de voz, seriedade também na face. - Acredite ou não o senhor, se quiser. Só não interfira na minha única chance de conseguir dar à mamãe e ao senhor uma casa nova e um pouco mais de conforto e sossego.

O vizinho já coara o café e começava a nos servir em xícaras de porcelana branca. Primeiro, para mim, a visita da casa. Depois, para o pai. Em seguida para si próprio, como regem as normas da boa educação.

- Tá certo, meu filho. Não vou me intrometer nas suas coisas. Suponho que você está querendo o melhor; pensando em nós. E eu também estou querendo o seu melhor, alertando-o.

- É, velho. O mínimo que o senhor pode fazer é me apoiar, ou melhor, não me criticar, já que não pode juntar-se a mim na torcida.

- Eu não me deixo levar mais por essas coisas, rapaz. Conheço bem esta situação, de vê-la repetir-se muitas, bastantes vezes. E, como não posso fazer mais nada, vou dar apenas uma sugestãozinha...

O velho olhou para mim naquele instante e deu uma piscadela e meio sorriso, sem que o seu primogênito percebesse, com um ar de sabedoria, de quem conhece bem a sua cria. Também o fez com uma pitadinha de ironia, para temperar a situação. O filho, acreditando conhecer melhor ainda o pai, supôs que lá viessem mais argumentos para tentar persuadi-lo, como o fizera tão bem a campanha publicitária. Mas não...

- Pelo menos, adoce um pouco mais as nossas esperanças, porque este café está de amargar!

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