RODA
MUNDO DOIDO, DOIDO A RODAR
Rafael Emidio
Um mundo de suposições, incertezas temporariamente certas, em nome desse ato ou resultado de supor muita coisa acontece:
I
Ela desconfiava dele há meses, achava não ser mais a única em sua vida, achava que ele havia desistido do pacto no altar; tudo andava tão estranho ultimamente. Nada era mais como antes, ele, agora chegava tarde do trabalho, estava sempre cansado, não dava mais tanta atenção a ela, todo aquele carinho do início ficou perdido nas linhas do tempo. Estava sozinha, e com problemas, precisava dele - assim como ele precisava do emprego; que consumia aquele relacionamento dia após dia. Segunda ela "não acreditava mas naquela desculpa de emprego". Numa quinta-feira às 7:03 da noite ela chegou em casa, vinda do psicólogo, e ouviu o recado na secretária: "querida hoje vou chegar tarde, tenho uma reunião para finalizar um trabalho de uma das contas mais importantes que nós temos, te amo. túú... túú... túú... túú... piiiiiiii...". Esses recados cortavam seu coração. Decidiu ligar para ele.
- Alô...! Rodrigo?
A adolescente atende o celular.
- (...)
- Alô...! Rodrigo?
- Ele está tomando banho! Quer deixar recado?
- Quem é você?
- Pode-se dizer que sou uma amiga dele.
- A onde vocês estão?
- Isto é muito particular. Tenho que desligar agora. Liga depois... - após desligar o telefone a adolescente gargalha pelo trote que acabou de passar na pessoa que ligara por engano.
O telefone caiu de sua mão, direto para o chão. Chão, que ela não sentia mais. Mesmo sem sentir, por ele caminhou até a cozinha, enquanto lembrava do primeiro instante que se conheceram; a faculdade; mundo de descobertas na loucura da juventude, tudo era tão lindo. Olhares. Sorrisos. Beijos. Abraços. A linda imagem sorridente de Rodrigo no primeiro encontro estava congelada em sua mente, enquanto a faca deslizava pelo seu pulso.
Às 7:09 da noite, Rodrigo abre a porta com uma picante pizza de margerita nas mãos.
- Clarice! Cheguei! A reunião foi adiada.
- Clarice??
Caminhou até a cozinha.
- Clarice!!!
No hospital, agora acordada, Clarice tinha aquele Rodrigo (que tanto sonhava) jovem e todo atencioso de volta. Por alguns minutos e mais que Rodrigo demorasse, nada disso poderia ser possível. Rodrigo se ateve para a gravidade da situação conjugal que estavam enfrentando e juntos repensaram suas vidas e estavam mais unidos do que nunca.
II
O "suposto culpado", sentado naquela cadeira. Lembrando de todos aquelas pessoas. E agora chegara a sua vez, estava feliz. Pensava consigo mesmo, "coitados, não sabem a verdade". Tudo aquilo estava acontecendo a mando do velho - suposto dono do certo e do errado - que com um martelo na mão e ódio no olhar o sentenciou. Culpado. Culpado por ver o mundo de um jeito diferente. Por ver a beleza na morte, sendo vista, e participada (montada, como uma obra de arte) de perto. Lindo. Algo sem igual. A loira, linda - com seus atributos físicos, e sua beleza natural por ser mulher - com a foto estampada na capa da revista famosa, agora está irreconhecível na foto tirada no IML Graças a ele. Que nasceu, numa família nem um pouco agradável, e com a mentalidade diferente das outras pessoas. O "suposto culpado"... A ele deve-se o fato de outras 12 pessoas repousarem 7 palmos a baixo da terra. Mas a sua consciência estava limpa, sabia que era o melhor para todas elas. As vozes diziam...
Feliz saboreou e deglutiu cada momento de sua vida, principalmente este. Viu a luz piscar. Sorriu... Sentiu a eletricidade percorrer suas veias, e fritar seu corpo em segundos.
III
Então o filósofo metafísico com todo o seu saber e seu enorme ego - refletido por aquela estante cheia de livros - se perdeu em suas suposições. "Talvez Nietzsche estivesse certo. Devo ter começado errado; já devo ter começado num paradigma, e discorrido todo o desenvolvido através deste...; talvez nem deveria ter começado, não por ser demasiado complicado, mas por não ser necessário..."
Após um saborear gole do vinho envelhecido que tanto admira, segue sua crise existencial...
IV
Uma nação, milhares e milhares de pessoas passam pelo inimaginável. Terrores que não conseguem ser expressos em um filme, nem numa megaprodução hollywoodiana. Toda uma nação - mulheres, homens e crianças com seus sentimentos: fé, medo, amor, ódio, incerteza - guerreiam em nome de um suposto deus, que os criou (para satisfazer o seu ego) e com eles brincar de fantoche. Como uma criança do outro lado do planeta brinca com seus bonecos de comandos em ação - que ganhou de aniversário - decidindo qual personagem morrerá, qual se mutilará, qual voltara para casa vivo. Pelo menos naquele dia.
Os fatos descritos aconteceram simultaneamente, em diferentes locais desse nosso globo. E o mundo gira a todo vapor - como um maravilhoso espetáculo, em todo seu esplendor, como se não houvesse rancor, nem dor, nem amor; como se estivesse inerte à dualidade; além do bem e do mal - seguindo (supostamente) para algum lugar...
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