DE PASSARINHOS E OUTROS BICHOS
May Parreira e Ferreira

Sempre ouço verdades categóricas a respeito dos gatos, que eles não se apegam às pessoas e sim a casa, que não se aproximam quando chamados, que são infiéis e hostis. Isso é tão verdadeiro quanto a existência de um dragão azul debaixo da minha cama. Existem a fantasia e a crença.

A convivência com minha Gata ensinou-me exatamente o contrário. Eu suponho que ela me ame incondicionalmente, vem correndo quando eu chamo, faz graça quando chego, e fica ao meu lado não importando em qual casa.

Sempre escrevo sobre a experiência de observar os animais e a humanidade. Desde o início do ano tenho-me entretido com algumas dessas delícias que fazem a vida, aqui no cerrado.

O verão traz consigo uma infinidade de filhotes, e nosso jardim bastante arborizado desde que chegamos a casa, está repleto de diferentes passarinhos a experimentar os primeiros vôos. Eu que já tive meus filhotes, hoje adultos se preparando para encher seus próprios ninhos, fico feliz quando consigo salvar o pequeno colibri das patas de minha gata soberana. Meu grito a faz parar e se afastar do beija-flor. Ela espera que eu o pegue, fica orgulhosa de me dar um presente tão lindo. Você pode supor quantos tipos de passarinhos existem, que se parecem com o bem-te-vi, só para mencionar alguns: suiriri, bem-te-vi-do-gado, maria-cavaleira, nei-nei, bem-te-vizinho, mariquita, pia-cobra, pula-pula, sebinho, cambacica, e por aí vai. Não os conheço e não os distingo, só os nomeio. Por enquanto eu observo, quem sabe o futuro.

Tudo isso para entreter a vida. Passo os dias numa solidão bonita, intensa. Ouço música, escrevo, corro longos percursos em meu treino para maratona, faço o jardim, mantenho correspondência constante com amigos e salvo filhotes, pelo menos dois por dia.

Assim estão sendo meus dias. Muitas vezes me falta o som da voz humana, as diferentes tonalidades, a mímica. O dia passa vagaroso, sol forte, pressão baixa. Estou, ainda, em terra estranha.

Faço o jantar, invento algo apetitivo. Finalmente a noite me traz a companhia do homem que amo. E esta é uma grande suspeita minha: eu também sou amada. Ele chega, abre um vinho, conversa comigo, não se importa com minhas lamentações. Escuta minha estranha solidão, me faz querer ver coisas bonitas, me faz ter pensamentos generosos, me instiga a procurar os pássaros coloridos, se alegra com isso.

E vou escrevendo, apesar de não ser lida nas escolas e não ter meu livro entre os dez mais. Não me sinto deprimida por falta de amor, tenho inclusive a suspeição de que sou amada por você, que está-me lendo neste momento. Quem outro, que não me amasse, haveria-de querer ler um texto perdido na infinidade digital.

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