À SOMBRA
DO MUNDO ERRADO
Mariazinha Cremasco
"Eras
na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança.
Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime."
Fagundes Varela - Cântico do Calvário
Nasceu do amor. Nasceu lindo, aparentemente saudável. Quatro quilos e quarenta gramas, cinqüenta e um centímetros. Olhos azuis, cabeça lisa com penugens douradas. Mãe morena. Pai claríssimo. O avô paterno tinha olhos azuis, o materno também. Puxou a eles na cor dos olhos. Puxou ao pai na brancura da pele, puxou à mãe na carinha redonda. Lindo menino.
Trouxe a luz, alegria, esperança, amor, vontade de viver, trouxe sonhos.
Os sonhos duraram pouco tempo. Adoeceu aos quatro meses, morreu antes de completar um ano.
Como seria se fosse vivo hoje, vinte e quatro anos depois? Alto? Certamente sim. Loirinho? Provavelmente os cabelos escureceriam um pouquinho, como os cabelos dos irmãos que nasceram depois. Bom caráter? Bom filho? Bom homem? Estaria estudando ou já estaria formado? Gostaria de ler, escrever, pintar? Qual seria sua profissão? Que tipo de música gostaria de ouvir?
Entre tantas suposições, apenas uma certeza. Onde está nesse momento, não corre riscos. Está seguro. Dentro dessa certeza, outra dúvida. Existe esse lugar? Não sei, não saberei. Se eu pudesse ter certeza de que há um lugar em que ele esteja bem e que possa olhar por nós, eu pediria "meu filho, cuide de seus irmãos, que estão 'nesse' mundo".
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