COR DE CARNE
Luís Valise

 
 

- Suponha, ao menos por um momento, que...

- Não suponho nada! Não vivo de suposições; não raciocino sobre hipótese!

- Opa! Aí não! Isso era argumento dos idiotas nos tempos da ditadura!

- Não interessa! Nem vem que não tem!

- Eu juro! Uma coisa que você ainda não viu! Eu mostro pra você...

- Não e não! Na praia eu já vi tudo que tinha pra ver.

- Viu nada! Nem tudo se vê na praia...

- Eu vi o que interessa, e pronto! Somos dois belos bagulhos! Deixa essa luz apagada!

- Bagulho? Eu, ainda vá lá, mas você? Flor, você é apenas um pouco mais fofinha, mais cheínha, tem mais carnatura, um tipo rafaelino, algo assim...

- E pode parar! Você não me engana com essa conversa sonsa! Eu, mais que ninguém, sei bem como sou! Como me oferecem lugar no ônibus: um banco só pra mim! No cinema, a cadeira ao lado sempre vazia! No bandejão, uma concha a mais de feijão! E na hora de comprar roupa, então? Os malabarismos das vendedoras, ...

- Você se martiriza à toa. Queria que você se visse com meus olhos. Jamais esquecerei a primeira vez que te vi, a sandália de salto alto amarrada no tornozelo, a calça jeans agarrada, os seios balouçantes dentro da seda púrpura, os braços...

- Deixa de ser bobo! E você já viu mulher que não fique boazuda dentro de um jeans? O jeans, meu filho, é o maior engana-trouxa que inventaram! De jeans toda mulher fica gostosa! É ouro de tolo...

- Mas o que importa é a primeira impressão: a que fica! Pra mim, você sempre será aquela gostosona, vem cá, assim, me abraça, ...eu vou acender só um pouquinho...

- Nunca! Ou é no escuro ou não é, nem será! Quantas vezes eu vou ter que repetir que não quero você vendo meus peitos caídos, minha barriga derramada, minha bunda de polenta fora do ponto? E também, me poupe, não quero ver esses teus gambitos que mais parecem varas de pescar lambari, desculpe a franqueza. Pra barriga eu nem ligo muito, sei que é de cerveja, mas as pernas poderiam ser mais grossas! E também tem o joanete do teu pé esquerdo, parece que está sempre olhando pra mim como um olho arregalado... E, de mais a mais, eu não raspei a virilha. Se você visse como sou peluda!...

- Eu gosto! "Nessa froresta eu me perdo!", brincadeirinha! Eu não ligo, a natureza sabe o que faz. E também, pense bem, quantos carecas não dariam um braço por esses pêlos, brincadeirinha! E, com polenta ou sem polenta, eu adoro essa sua bundinha... posso chamar de bundinha? Ó só, como enche a minha mão, e ainda sobra muito pra outra, e pra outra, caso a tivesse! E você nem imagina, mas estas pernas que você chama de gambitos foram invejadas quando eu jogava peladas na várzea. Eu tinha um chute forte de canhota... E o joanete ajudava na colocação da bola onde eu queria... A bola saía como um pombo caprichoso, em busca do ninho da coruja... Um dia te mostro meu retrato de uniforme...

- Dispenso. Prefiro te ver de terno azul-marinho... Promete?

- E você de vestido branco... Prometo. Posso acender, agora?

 
 

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