A VISÃO DO PARAÍSO
Luís Augusto Marcelino

Aqui deve ser o Paraíso, suponho. Só pode ser. Nunca vi um sol tão brilhante e um céu tão azul, tão exuberantemente azul. E aquelas pessoas reunidas próximas ao imenso lago escuro, todas de branco, cocares floridos, ares de anjo. Engraçado, sempre supus mesmo que no Céu só tinha gente branca. Eu nunca vi um filme que retratasse o Além com pessoas negras, pardas ou amarelas. São todas muito branquinhas, loirinhas, engraçadinhas, parecem ter saído de uma pintura renascentista, têm as bochechas rosadas. Será que aqui no Paraíso também tem divisão de países? Pelo que estou vendo me mandaram pro lugar errado. Este deve ser o Céu da Dinamarca, só pode ser.

Agora que reparei que estou sob a sombra de uma árvore robusta, cheia de frutos, parecem pêssegos. Uns pêssegos imensos, diferentes dos normais. Logo atrás dela há um fonte de água límpida. Engraçado porque estou morrendo de fome e de sede - e suponho que não devêssemos sentir isso aqui. Talvez não seja conveniente retirar um desses frutos e saciar a fome. E, além do mais, minha mãe sempre disse para eu não comer frutos desconhecidos, porque podiam ser venenosos. Mas não vou resistir. Um só, depois tomo a água. Afinal, se estiver mesmo envenenado não vai mudar o meu destino. Morro outra vez e volto pra cá. Aí aprendo e não como mais. Hummmm... está saboroso. Nunca comi algo tão delicioso. Uma mistura de doce e amargo que nem mesmo o seu Ari - famoso confeiteiro da Freguesia do Ó - seria capaz de reproduzir em seus famosos pães.

Para onde vou agora? Será que aqui não tem um guia? Está tudo muito bonito, está tudo muito silencioso, muito harmonioso, mas já estou começando a sentir falta de algumas coisas. Como pode o Ministério do Turismo Paraíso não colocar ninguém para recepcionar os novos visitantes? Isto é um absurdo, uma falta de organização imperdoável! Cadê as placas? Ao menos uma placa "Welcome to Paradise! Cigarrets!" Nada. Absolutamente nada, é uma vergonha - como diria Boris Casoy. Um totenzinho como aqueles dos shopping centers também não seria nada mal. "Tecle aqui para reencontrar os parentes já mortos; ou aqui para dar uma olhadela nas coisas que estão acontecendo na Terra neste momento; ou aqui para marcar uma entrevista com Ele."

Sinto um toque em minhas costas e ouço uma palavra suave: "Filho!..." Uma criatura imensa, que não estou sabendo distingüir se se trata de uma pessoa comum ou de um craque da NBA (importado da Europa Oriental) me abriu um sorriso fraterno e, com o dedo, indicou-me para seguir na direção de uma colina.

- Aqui é o Céu? - perguntei.

Ele não respondeu. Calmamente está me empurrando em direção à colina, a passos lentos, sempre com o sorriso à vista. É claro que aqui só pode ser o Céu! - eu mesmo concluo. Afinal de contas não roubei, não matei, não cobicei a mulher do próximo... quer dizer, tinha a Maria Clara, minha vizinha, esposa do Manel... Mas foi ela quem provocou com suas minúsculas saias rendadas, assim não há Cristo que resista, oras bolas! Mas foi só isso. Então é lógico que aqui é o Céu. Insisti mais uma vez. Permaneceu em silêncio. Chegamos perto de uma choupana muito simples. Com a cabeça o gigante pediu para eu prosseguir. De dentro da choupana saiu um perfume maravilhoso que entorpeceu. Fechei os olhos. Alguma coisa dentro de mim ordenou que eu abrisse a porta. Não havia nenhum ganho, nenhuma maçaneta. "Push" - estava escrito. Sempre me confundi com o push, e jamais esperei que a língua oficial do Paraíso fosse o Inglês. Talvez seja por isso que o gigante parecia jogador de basquete e não respondia minhas perguntas. Push! Empurrei. Agora minha cama está toda molhada e não consigo me mover. Enxergo uma lâmpada, deve ser de 60 watts pois está muito fraca. Aqui não é o Paraíso, suponho. Acho que estava sonhando. Ou será que o Céu é aqui mesmo, neste quarto úmido?

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