SUPOSIÇÕES
DE INVERNO
Lilian Souza
Em minha casa na Suécia, linda casa de madeira, com cortinas brancas e rendadas, eu observava a neve cair, lentamente, como se dançassem para mim os floquinhos, tais como bobos da corte, querendo alegrar-me.
A paisagem absorvia-me, de forma que não pairavam pensamentos em minha mente, apenas uma dúvida, e esta dúvida levava-me por tantos caminhos quanto minutos tinha eu para os criar.
Era véspera de natal, e eu esperava por uma revelação. Boatos de que um grande presente me aguardaria na noite da grande ceia.
Naquele momento, imaginava todos os tipos de presente que poderia eu receber e de quem os receberia. Ares de mistério se faziam, guirlandas e doces, dourados e fitas espalhavam-se pela casa.
Quem daria o presente? Meu noivo? Amigos? Familiares? Encontravam-se todos na mesma casa, com os mesmos sorrisos discretos, criando covinhas ao lado de seus lábios.
Minhas suposições eram infindáveis. Se fosse meu noivo seria uma casa, um carro, uma jóia?
Se meus amigos, um Cd, passagens para férias?
Se meus familiares então? O que de grande eles poderiam me dar?
Além disso, comecei a ter dúvidas se era "um grande presente" ou "um presente grande"... Uma jóia é um grande presente, mas pode não ser um presente grande, a menos que seja um grande rubi!
As horas passavam, todos fingiam não perceber minha ansiedade. Parei de imaginar o que poderia ser e comecei a ajudar nos preparativos.
Ajudei a fazer os pratos deliciosos e suculentos que compunham a ceia, enfeitar a mesa, dobrar os guardanapos, colocar os talheres, os pratos, copos e taças.
Mas a mente é traidora de seu dono quando pensa naquilo que não devia, e minhas idéias voavam, imaginando os mais diversos presentes.
Um cachorro? Seria um cachorro grande ou um pequeno e dócil?
Uma roupa? Um vestido longo, ou um pequeno tailleur sóbrio de uma loja muito cara, daqueles que você só ganha um na vida, os outros, se quiser, compra.
Meu drama era grande e minha curiosidade maior ainda, pois eu nunca tinha passado por isso. Sempre recebi presentes, alguns valiosos, outros com valor sentimental, mas nunca com tanto mistério. Por isso, apesar de todas as hipóteses que imaginei, supus, criei, elaborei e inventei, meu sexto sentido me dizia que era algo realmente diferente.
A hora estava chegando. Estava já arrumada, com o presente de amigo secreto nas mãos, esperando os retardatários que chegavam pouco a pouco na sala.
Um ambiente feliz, calmo e aconchegante embalava a noite. Começamos a anunciar os presentes. A cada um que se levantava da cadeira para anunciar seu amigo secreto, meu coração pulava forte.
Chegou a minha vez, finalmente! Ganhei o tão esperado presente de uma amiga de infância, a quem quero muito bem. Abri o presente cuidadosamente. Pelo tamanho era "um grande presente". Quando acabei de desembrulhar o papel, surpresa: a coleção de Cds que eu estava querendo comprar há tempos, de um dos meus compositores preferidos da nossa velha MPB. Adorei! Mas... Não era motivo para tanto mistério.
Um pouco entre feliz e decepcionada, agradeci meu presente e anunciei meu amigo secreto.
Ao fim da distribuição de presentes, encaminhávamo-nos para a sala de jantar, quando meu noivo atraiu para si a atenção. Começou um discurso que me pareceu um tanto fora de propósito, exaltando qualidades minhas para todos.
Eu pensava o porquê de tudo aquilo, pois íamos nos casar dali um mês e já tinha sido anunciado. Enquanto, eu perdia-me em meus devaneios, a seguinte frase respondeu minha pergunta:
- E além de todas essas qualidades, agora é também a mais nova, e se eu não me engano, a única, escritora da família! - Pegou um pequeno pacote e deu-me nas mãos.
Eu, sem ainda entender o que significavam aquelas palavras, abri meu grande presente e dei de cara com meu livro, o primeiro a ser publicado.
Emocionada, pois não esperava que fosse conseguir, descobri o significado de ganhar algo realmente especial, o resultado de meus esforços encontrava-se ali.
Dentre aplausos, risos, sorrisos, comemorações, beijos e abraços, a única coisa que me veio à mente foi: "de nada adiantaram minhas suposições, eu mesma me dei o presente (aliás, a única pessoa que eu não havia considerado), e o conheço melhor que qualquer um ali."
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