PÂNICO
Alberto Carmo
O anúncio foi claro: a cidade receberia o impacto de um míssil atômico em seis horas. A retaliação já havia sido disparada - receberiam impacto equivalente em 12 horas.
Desligou a TV e foi até a rua. A correria era geral. Nos supermercados engalfinhavam-se na luta pelas latas, garrafas d'água - arrastavam as prateleiras. Nos bancos, seguranças tentavam conter a multidão, enquanto o gerente programava a abertura do cofre para dali a três dias.
Caminhava sereno, esbarrando na turba enlouquecida. Nas avenidas, as buzinas esmurravam-se, homens e mulheres aflitos aos volantes. Crianças, nos bancos traseiros, olhavam assustadas o caos estabelecido. Num canto de beco, viu dois homens lutando, ensangüentados, por um revólver jogado no chão.
Nas igrejas, ouvia cânticos chorosos, partindo de bocas secas. Párocos e seguranças impediam os fiéis de entrar nos abrigos. Trancavam portas em estrondos indiferentes aos choros.
Sirenes invadiam todos os ouvidos, e apressavam o pânico. Nos prédios, uns e outros ficavam nas janelas, qual santos emoldurados, a rogar preces inaudíveis. Carros oficiais seguiam velozes, atropelando quem lhes impedisse o caminho.
Velhos eram pisoteados nas calçadas, tingindo de rubros coágulos os cabelos alvos. Casais se postavam, abraçados como animais às ninhadas, embaixo das poucas árvores.
Gritos, onde andasse eram só gritos desesperados. Matavam-se com pedras, pedaços de metal, com o que lhes viesse às mãos. Matavam-se sem reconhecer inimigos. Matavam-se por se verem em caminhos opostos. Um pai, com os filhos agarrados nas pernas, socava um jovem nas escadas que levavam ao metrô. Guardas com capacetes negros tentavam fechar as grades, e eram esmagados pela multidão ensandecida.
Por todos os lados via sangue, retalhos de roupas, restos de corpos. Alguns ainda erguiam um braço, em gemidos roucos, implorando morte ou abrigo. Via sapatos, bonecas, carteiras, sendo pisoteados.
Um menino mirrado recolhia objetos caídos nos espaços deixados pela horda em disparada. Tomou-o pela mão e caminharam em direção aos limites da cidade. Aos poucos, a balbúrdia diminuía. Andaram por algumas horas, até atingirem a barragem abandonada.
A represa era vasta como um horizonte azulado. Sentaram-se à beira d'água. O garoto tirou do bolso um chocolate amassado e lhe ofereceu um pedaço. Riram-se das bocas manchadas pelo doce derretido.
Levantaram-se, e contornaram a colina norte. De lá podiam ver a imensidão das águas, sem a infecção do topo dos edifícios da cidade. Viram objeto cadente a espalhar fogos de artifício no céu. Apontaram os dedos naquela direção.
O estrondo foi seco, como estampido abafado. No topo da colina viram o abraço fumegante do cogumelo. Sorriram e aguardaram passar a onda vulcânica do impacto. Abraçaram-se com os olhos fechados. O ruído foi ensurdecedor, varreu os arredores como boca sísmica.
Permaneceram abraçados e cegos até o ar voltar calmo. Voltaram à estrada de mãos dadas. Sentiam as cócegas invisíveis da radiação que se espalhava. Ele se deitou na terra; o menino montou-o com olhos brilhantes.
- Quer ser meu filho?
- Quero, pai...
Abraçou-o em lágrimas, apertou aquele corpo tênue, que lhe agarrava as costas com pés de moleque. A negra tempestade caiu finalmente. Ele rasgou um filete da camisa e escondeu os olhos do filho.
- Vou te fazer uma surpresa. Não olhe.
Fungou a última lágrima e tomaram o caminho de volta...
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