CARTA A UM AMIGO
Reinaldo de Morais Filho

São três horas da manhã. Acabou a programação na televisão e eu estou em casa acordado, sem ter posto um gole sequer de álcool na boca. E me sinto completamente embriagado: o teto está rodando, o visor do computador não se fixa diante de mim, a barriga remexe em um enjôo tétrico.

E não pus um gole sequer de álcool na garganta: recusei os convites que recebi, desde a semana passada, para os bares da vida. Abandonei os amigos um pouco, e tenho me prestado a estudar quando tenho um tempinho. Ou melhor, estudar no pouco tempo que a concentração aparece, no instante fugaz em que não me ocupo com minha maior arquitetura.

Estou embriagado de uma droga que se chama... de uma droga que causa prazer, que invade meu corpo por todos os poros, que me amolece os ossos das pernas e me dá um frio na barriga. Estou apaixonado e acho que é amor. A visão turva a enxerga sobre todos os corpos, sobre o meu.

Nem dormi desde o dia em que ela chegou, largou as coisas dela na cidade do interior em que seus pais se meteram e veio me visitar. Largou os pais, se meteu em um ônibus velho, andou passos desnecessários. Para me ver.

Olhei no espelho, de barba feita, cabelo arrumado, pele bronzeada, e não vi nada que merecesse. Acho que ela quis dizer que me ama. Que me adora, no mínimo. Adora. Isso ela diz toda hora, e eu ainda não pude entender do que se trata; repito para não ter que dizer que a amo sozinho. Seria um desequilíbrio sentimental: amar é muito mais forte que adorar. Eu adoro pizza, sorvete, cinema...

Nem dormi esta noite, madrugada adentro, a angústia apertando meu peito, a vontade de escrever para alguém. Um amigo, uma amiga, você. O que se vai pensar de um homem de vinte e dois anos apaixonado, zanzando pela casa, ouvindo os últimos barulhinhos da rua adormecida lá em baixo? Tudo tem um tempo, e tenho medo que o meu tempo se esgotou; a partir de um certo instante o amor vira piegas, infantilidade, fraqueza.

O que você acha de mim? O que você acha do amor? E do tempo?

Pensamentos tortos. Enquanto falava com ela, trocando carícias, no seio da sua juventude, da minha inocência, pensei em casamento. Quis casar. E pior: quis morar junto, perguntei para ela, ousei citar uma versão de nosso relacionamento. Logo eu, que sempre tive a certeza de que casaria aos trinta e sete, teria um filho aos quarenta; e manteria minha casa, independente, cada um com seu lar, seu refúgio para não acabar no sofá depois de uma briga, para passar uns dias isolados. Sempre achei que casar seria mais fácil que dividir o mesmo teto.

Pueril e pessimista. Paradoxo. Pois toda criança guarda, na pureza do espírito, o dom da esperança, que rima com confiança, que se espelha no otimismo. Incoerência. Eu penso no erro, na desgraça, na solidão. Penso depois de ter vivido vinte e dois anos, nada de infantil, puro resquício de uma vida longa em curto tempo.

E engulo minhas palavras, meu sentimento, meus desejos. Engulo, mas não sei mentir. Quando ela pergunta, tropeço nas vírgulas, engasgo com a mentira. E passo insegurança. Pior que um homem apaixonado é um homem inseguro. E ela me olha de forma equilibrada, sem mexer a boca, sem dobrar a coluna, ereta e impávida. Morro de medo!

Medo, insegurança, pessimismo, infantilidade, dúvidas. Sinto-me bêbado, insone, ansioso, assustado. Daqui a pouco amanhece, o mundo gira outra vez, gira, gira, minha barriga se contorce, ao bater dos ponteiros, do tempo. "Vai dormir, desgraçado!" Daqui a pouco o dia acorda, ela desperta, me liga, está na hora de nos encontrarmos. E a sonolência ressaltará os temores, a gastrite.

Dor! Lá vou eu outra vez me entregar a paixão, ao açoite, ao castigo. Como o escravo que se lambuza da torta que a sinhá deixa esfriar na janela. Come quente, esfria na pança, requenta no tronco, quando percebe que sofrer vale a pena, vale o couro grudado nas chagas, chiando nas costelas magras; o gosto em seus lábios, do doce e do fel, vale o tempo da sua vida.

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