TEMPO
DE DESPERTAR
Nato Borges
- Acorda Júnior, vamos que está na hora!
- Ah, mãe. Dá um tempo vai...
- Não tem tempo nenhum, aliás não tem mesmo. Vamos que você está atrasado!
- Como não mãe, ainda são sete e meia. Tem tempo de sobra...
- Sobra o quê? Que sobra moleque? Seu pai tem que estar às oito no trabalho...
- Eu não...
- Vamos, levanta logo...
A mãe deixa quarto já com a certeza da volta. Todos os dias a mesma coisa, a ladainha de sempre. De um lado para o outro, de uma reclamação para outra. Um não acordava, o outro não dormia. O que não acordava dormia no quarto ao lado, o que não dormia - seu marido - não a deixava sonhar. "Desacerto. Desacerto de tempo", pensava ela, já a meio caminho da cozinha.
- E ele? Já levantou?
- Ainda não...
- Mas você disse que eu estou sem tempo. Que estou atrasado e quase saindo?
- Disse..
- Disse que se ele não se apressar, vai a pé?
- Disse...
- E ele?
- Está lá, pediu um tempinho. Já vem...
- O tempinho dele dura horas.. É sempre um tempão! O que ele pensa da vida? Que eu tenho todo o tempo do mundo prá ficar aqui? Esperando, esperando...
A ladainha era também velha conhecida. O tempo de um não era o tempo de outro. Um não conhecia o significado da palavra relógio, sequer sua utilidade. O outro, um escravo dos ponteiros. Um não tinha responsabilidade, achava que as coisas caíam do céu, que o mundo girava ao seu redor. O outro vivia em função das contas, dos cargos e de conquistas que, no futuro, deveriam servir de exemplo ao "um". Ela, já cansada, servia aos dois mundos, sem tempo de pensar, quanto mais reagir.
- E eu?
- Vai lá e chama ele de novo!
Foi.
- Júnior!!!!!
- Hannnn... Que foi mãe?
- Levanta filho. Seu pai já está acabando o café...
- Só mais um tempinho...
- Chega de tempinho filho. Tá na hora! Vamos, levanta!!
- Mas que saco!!! Já vou!! Já estou indo!! Todo dia a mesma história!! O que ele pensa da vida? Que o mundo vai acabar se ele esperar um pouco...
A outra face da moeda também se repetia havia algum tempo. Porque o outro já estava ficando velho e não tinha a menor compreensão de como as coisas haviam se transformado. Estava preso no seu tempo. Ele não, era moderno, tinha consciência de que valia pelo que fazia, e não pelos prazos que não cumpria ou pelos horários que perdia. Talento era o que contava, e o "senhor dos relógios" não perceberia isso jamais.
- Ele já vem vindo...
- Ainda bem. Já não era sem tempo... E você? Não vai tomar seu café?
- Mais tarde. Mais tarde...
O outro enfim apareceu e, junto com o "um", tomou seu café. Naquele dia um pouco mais amargo que de costume, mas eles não perceberam. Nunca percebiam se o pão estava mais ou menos tostado, se o leite tinha sido fervido ou amornado, se havia biscoitos da marca A ou B. O café da manhã era um momento de tensão, cuja presença de um e de outro era obrigatória, e isso os incomodava profundamente.
Mas àquela altura isso tanto fazia. O amargo do café em minutos ia se transformar em queimação e daí à dilaceração e o fim de um e de outro seria pouco tempo. Tempo. Feliz ela se desfazia dos pesos de sua vida e imaginava que, a partir dali, teria todo o tempo do mundo. Não importava aonde. Teria seu próprio tempo.
- Acho que vou fazer um café fresco.
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