PRAZER EM
CONHECER
Mariazinha Cremasco
Em comum tínhamos apenas
Rosana, minha amiga e cunhada de Vani. Vani e eu não nos
conhecíamos. Rosana falava muito de mim para ela e muito dela
para mim. Tínhamos vontade de nos encontrar, porém nunca dava
certo. Vani era irmã de Vallone, marido de Rosana.
Ah, ia me esquecendo. Havia mais uma coisinha em comum entre
nós: tínhamos - e temos - apartamentos na mesma praia. O da
Vani é jeitosinho, bem pequeno, porém de frente para o mar. O
meu, um tantinho maior, fica a mais ou menos trezentos metros da
praia, seis quarteirões de distância do apartamento de Vani.
Uma tarde estava descansando depois de ter passado a manhã com
meus "querubins" na praia e de ter feito e servido o
almoço dos anjinhos e limpado tudo quando um dos meninos sobe
ofegante os três lances de escada e diz: - Mãe, tem uma mulher
lá embaixo querendo falar com você. Fiquei irritadíssima. Quem
seria? Não estava esperando ninguém. Justo na hora dos meus
cinco minutos diários de descanso! Felipe disse que não a
conhecia, que era uma mulher alta e morena e que estava
acompanhada de um menino. "Que saco", pensei.
"Será que até aqui vou ter que aguentar vendedores ou
pedintes?" Muito contrariada, desci. No banco de entrada do
prédio estava sentada uma bela e simpática mulher. Quando me
viu, como se me conhecesse, abriu um imenso sorriso. Não esperei
que ela dissesse nada, e falei: "Você é irmã do Vallone.
Ou então, é o próprio Vallone, de tiara e brincos."
Rimos muito e nos abraçamos, sem que ninguém nos apresentasse e
como se nos conhecêssemos há anos. A semelhança dela com o
marido de Rosana era incrível. Estava feito o contato. Rosana
disse a ela meu endereço na praia e não é que a danadinha foi
me conhecer? Dali pra frente, passamos todos os verões
praticamente juntas. Eu tinha três meninos e ela um casal de
filhos. Nossos caçulas, Vitor e Caio, foram os que melhor se
entenderam.
Os maridos só vinham nos finais de semana e, de segunda à
sexta, eu pegava minhas cadeiras, meu guarda-sol e meus filhos e
ia para a "praia da Vani". Foram anos assim. Nesses
anos todos, falávamos de tudo. Qualidade de vida, literatura,
filhos. Filmes, programas de TV, filhos. História, política,
filhos. Corrupção, tráfico de drogas, drogas, filhos. Moda,
decoração, qualidade de ensino, escolas, filhos. Parentes,
viagens, saúde, filhos. Reformas, inflação, política externa,
mercosul, economia, filhos. Carros, compras, vendas, pais,
sentimentos, filhos.
Ríamos - ou chorávamos - de nossas dores, de nossos amores,
nossas dificuldades, nossas alegrias, nossas crenças, nossas
conquistas. Éramos parecidas em muitas coisas e absolutamente
opostas em outras tantas. Elaborávamos nossas diferenças, em
vez de acentuá-las.
Eu achava Vani "normal" demais para o meu gosto. Falava
isso e ela ria gostosamente. Ela dizia que em minha vida não
havia rotina e que eu vivia a mil. Eu achava graça e dizia que
adoraria um pouco de serenidade, que as coisas se acalmassem, que
eu me aquietasse. E assim passávamos nossos verões.
Claro que nos falávamos em São Paulo e nos víamos algumas
vezes, mas nosso forte eram os verões na praia. Foi na praia,
nos janeiros, que passamos por coisas e momentos marcantes.
Alguns felizes, outros terríveis. Parece que tudo acontecia em
janeiro - filhos viajavam, filhos foram a shows de rock pela
primeira vez, prestaram vestibular, liberaram-se do exército,
começaram a namorar, choraram por namoros terminados, entraram
para a faculdade, tiraram carteira de motorista. Tivemos
história de cálculo renal, doenças e até morte em família.
Num desses janeiros, meus dois filhos mais velhos sofreram um
acidente na estrada. Eu, que nunca parei, que nunca soube esperar
por nada, fiquei seis horas esperando por notícia. Nada podia
fazer. Não havia contato. Não sabia para onde ir. Só me
restava esperar. Só Vani alí para me acalmar, me segurar. Vani,
tão apavorada quanto eu, tão mãe quanto eu, me segurando, me
dando força, me ajudando na espera. À noite, filhos enfaixados
e felizmente bem e inteiros, apesar da perda total do carro,
fomos comemorar com pizza feita pela amiga. (Vani Bombril, porque
tem mil e uma utilidades, é ótima cozinheira). Ela achava que
merecíamos comemorar a vida. A pizza já estava programada antes
do acidente e nesse dia Rosana e Vallone jantariam conosco. E
comemoramos. E jamais esqueceremos esse dia.
Com Vani aprendi muito. Ela diz que comigo também aprendeu. Não
sei. É possível que sim.
A verdade é que o tempo passou, as crianças cresceram e esse
ano estive novamente na praia com a Vani. Por apenas um dia.
Agora vamos à praia só com nossos maridos. Nossos filhos são
amigos, mas vão a outras praias, ou vão para lá sem nós.
Nesse verão passamos um único dia juntas. Foi bom, mas foi
pouco. Novamente falamos sobre tudo ou quase tudo, principalmente
filhos. Acho que mudei um pouco, comparando-me à Vani. Ela
continua a mesma mulher apaziguadora, ponderada, competente,
preocupada, informada e ligadíssima nos filhos. Sonha os sonhos
deles. E sente-se feliz.
Eu quero sonhar meus próprios sonhos. Acho que essa foi minha
maior mudança. Passei a me perceber como alguém independente
deles. Minha maneira de amar é outra. Sempre pensei na velha
frase "criamos nossos filhos para o mundo" e é isso
que tento fazer, além de tentar ser feliz.
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