SENHOR
DO TEMPO
Luís Valise
Depois de anunciada a sentença - "Morte por injeção de substâncias paralisantes" - o tratamento na prisão melhorou. Transferido de setor, Horácio ficava agora no Pavilhão dos Desesperados. Homens que como ele haviam cometido crimes horríveis e não tinham mais a fazer a não ser esperar o tempo passar, até que o dia e a hora fatais chegassem. Celas silenciosas e imundas eram testemunhas de lágrimas tardias e inúteis. Cabelos subitamente embranquecidos. Olhos de ver o chão. Ali, naquele Pavilhão, estavam livres da tortura física, já que câmeras de TV vigiavam todos os movimentos dos prisioneiros e também os dos guardas. Mas estes, fiéis aos princípios que julgavam diferencia-los da escória, a cada passada pelas celas diziam a hora e o dia, baixinho, e quanto tempo de vida restava ao desgraçado: - Dez e meia, dois de março. Faltam só 127 dias, Boca Murcha! - Três da tarde, dezoito de abril. Faltam só 94 dias, Bola Oito! - Nove da noite, dez de janeiro. Faltam só 44 dias, Horácio filho da puta! Nunca tivera apelido, coisa rara no mundo do crime. Era só Horácio, e já apavorava. Era o único que não chorava. Gastava seu tempo bolando um meio para escapar da injeção. Era ajudado pela mulher, que lhe trazia as informações de fora. Durante a noite ensaiava repetidamente seu golpe de mestre. Única chance, não podia falhar. Por isso, quando um guarda cantava o tempo na porta da sua cela ele sorria de volta, e fazia que não com a cabeça. Os guardas ficavam cabreiros mas não podiam fazer nada. E também não desistiam, queriam vê-lo "quebrar". Até o dia, quando só faltavam 12 dias para sua execução, em que Horácio pôs seu plano em prática. O carcereiro que foi levar o café da manhã encontrou-o caído no chão da cela, com espasmos violentos, baba escorrendo pela boca. Ninguém sabia que o cara era epilético! Apitou pedindo reforços. Logo cinco ou seis guardas parrudos estavam ao seu redor, todos com receio de serem molhados pela baba espumosa. Seguraram o corpo pelas pernas e braços e notaram sua extrema rigidez. Na enfermaria o atendente se esquivou como pode e disse que o pinta precisava era de médico. Providenciaram escolta e transporte. No hospital foi encaminhado à neurologia, décimo-quarto andar, amarrado na maca, e no corredor era cercado por quatro policiais atentos e armados, enquanto um quinto revistava o consultório do médico para evitar surpresas. Uma recepção pequena, com dois sofás de dois lugares, uma porta abrindo direto para o consultório. Lá dentro uma escrivaninha, duas cadeiras, um biombo de tecido branco e uma cama de exames. Ao lado um aparelho de eletroencefalograma, e uma janela dando para o pátio interno. Outra porta para um pequeno banheiro com pia e privada, e um pequeno vitrô. Voltou e fez sinal de positivo. A maca foi empurrada para dentro do consultório. A baba ficou mais espessa e esbranquiçada. Aumentaram os espasmos da perna esquerda. O médico pediu que os guardas saíssem, o que foi recusado: - Esse elemento é perigoso, doutor. Está condenado à morte, falta pouco tempo pra ser executado, é capaz de qualquer coisa pra escapar. O médico então levou a maca para trás do biombo. Levantou uma pálpebra. O olho do Horácio estava virado para trás. Soltou as correias que o prendiam à maca e chamou um guarda: - Tire as algemas dele. O guarda relutou. O médico insistiu: - Assim eu não posso examinar direito. Pode tirar. O guarda abriu as algemas, colocou-as no bolso e voltou para trás do biombo. O médico entrou no banheirinho para lavar as mãos. Horácio sentiu o tempo parado no ar. Levantou-se da maca, caminhou até a janela e assobiou. Os guardas apareceram assustados. Horácio sorriu, e disse: - Cinco da tarde, doze de fevereiro. Faltam só alguns segundos. E pulou. |