1 MIN.
Luciana Franzolin

08:59. Abro os olhos um minuto antes do despertador. São quase nove, preciso acordar, mas fecho os olhos. A cena continua lá. O homem numa cruz tal um cristo, dois tiros no peito de um calibre e um gatilho apertado por uma de suas sobrinhas. Resmunga e cai na água, fazendo bolhas de ar, que sobrem refletindo o mundo. É a casa da minha tia, mas bem antes, quando tinha um coelho branco e um jardim de trepadeiras. Assisto de dentro da piscina redonda que está metade sol, metade noite. Estou no sol. O homem, vagamente, cai sangrando na parte noite. É o meu tio? O cérebro registra medo, misturado com um pulsar mais forte da jugular. Braços e pernas ficam frios, pesados, afundam no colchão. Busco o sol, que sumiu atrás de um balão escuro onde voa uma bruxa de cabelos compridos, meio prateados, e uns olhos profundos, da idade do tempo. Ela dita palavras sem som, só com um mexer quase imóvel dos lábios. A água começa a se tingir de vermelho. Eu mergulho de olhos abertos tentando relar a mão no fundo, lá no fundão. Todo mundo conseguia, menos eu. Mas meu tio já está morto faz tempo, quer dizer, quase dois anos, e agora caiu na piscina? Estou nua, não gosto de marcas de biquíni, a metade noite toma conta do quintal. Nado e consigo encostar no fundo, mas viro e volto rápido, rindo bolhas que sobem refletindo vermelho. Eu nadava com medo de tubarão, pensava que no fundo, de um ralo redondo, podia de repente sair uma cobra, ou um tubarão que se espremesse. A superfície não chega, e decido respirar já não sorrindo e as bolhas de ar viram coágulos saindo do nariz. 09:00. Despertador toca. Abro olhos trincados, devia ter levantado antes.

fale com a autora

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.