SEM TEMPO
Lena Chagas
É uma desculpa esfarrapada. Posso dizer
até que é uma grande mentira. Mas a frase está sempre pronta,
na ponta da língua, sempre que preciso dela. É só adequá-la
à situação, pois o tema é sempre o mesmo: falta de tempo.
Estou sempre à procura de tempo para voltar a ler aquele livro,
marcado na página onde a história esfriou um pouco e desviou
minha atenção. Nunca encontro tempo para pôr em ordem aquelas
roupas, já sem uso, empilhadas naquele armário do canto. Nos
almoços das quartas-feiras, que os ex-colegas de trabalho
organizam, há anos, não fui uma só vez, porque sempre me falta
tempo. Ainda não sobrou tempo para cuidar de mim, caminhar
regularmente, tomar dois litros de água por dia, terminar os
textos deixados pela metade, renovar a terra dos vasos, mudar as
plantas do jardim, visitar velhos amigos e bater papo furado,
coisas que abandonei por falta de tempo.
Essa busca por mais tempo para isso ou
para aquilo, já virou obsessão. É quase uma doença. Outro dia
flagrei uma atitude minha que me fez chegar a essa conclusão.
Estava na praia, de férias, num ócio absoluto, quando uns
amigos ligaram para que eu fosse encontrá-los num restaurante,
à beira mar, onde já esperavam por mim. "Agora, não dá
mais tempo!", eu disse. "Como assim? Não dá mais
tempo pra quê?", perguntou a voz atônita. Mais surpresa
fiquei eu, por não saber a resposta!
Mas não foi sempre assim. Já houve época em que essas queixas
não existiam. Acho que não havia tempo para elas. Saía antes
das 7h da manhã para ir à Universidade, não almoçava porque
tinha de "bater o ponto" no trabalho ao meio-dia,
voltava às aulas às 7h da noite, e só chegava em casa perto da
meia-noite. E às vezes nem dormia. O resto da madrugada eu usava
para estudar ou aprontar um trabalho a ser entregue naquela
manhã. Bons tempos aqueles!
Hoje, parece que a falta de tempo passou a ser o grande pretexto
para que eu me sobrecarregue de tempo. Acumulo tempo como um
sovina acumula dinheiro. Ele não gasta nunca e não sabe quando
nem como vai gastar o dinheiro que guarda. Não dá e nem
empresta para ninguém. Não gasta nem com ele mesmo! Quanto mais
tem, mais reclama que está sem. Analogia idiota? Pode ser.
Mas verdade seja dita: foi por absoluta falta de tempo que eu
não escrevi sobre o tema desta semana: Tempo.
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