INSANIDADES
DE UM RELÓGIO
Helô Barros
Escurece lá fora, um avião ronca na aterrissagem enquanto pássaros alertam suas crias que vai chover. No computador o relógio gira inexorável, poucas vezes com tanta certeza. Passado, presente. Na caligrafia aleatória dos deuses o contorno definido de um eme a engendrar o futuro, outros riscos a atravessar a vida, a saúde e o amor. Mapa do tempo. O sonho de um relógio aguarda a hora de soar o alarme enquanto as histórias intercalam-se, fazem dos mortos vivos, dos distantes presentes, homens em mulheres, bichos. Neste lugar o mar não molha a roupa e mesmo assim é assustador. Durma que o tempo se embaralha. Quem dera o livro se mantivesse dentro da própria capa. Precisamos despachar estes livros pro Brasil. Urgente. As crianças estão esperando. Quantas? Não importa, elas sabem que o corpo lê antes de alfabetizado. Pilhas e mais pilhas de livros junto às frutas e verduras. Tomates miúdos uma dúzia, morangos, acerolas. É preciso mandar pro Brasil, correios, os correios enviam, com certeza, chegarão antes dos passageiros, sempre atrasados, selos, carimbos, máquinas registradoras. O coração acelera nesta penumbra. O espírito quando não se satisfaz só com o entendimento, inventa... arrasta-se de propósitos - sonho que posso contar uma história onde todos os corpos sou eu em diferentes trajetos. Enquanto durmo vem a pergunta: Teria eu construído a minha vida sobre um primeiro pensamento verdadeiro? Preciso do corpo que dorme nesta cama pra me mostrar o caminho. Por mais que eu escreva, que eu revele por tentativa, nada me trará a experiência de um beliscão, de um afago. ACORDA. No momento estou no labirinto do tempo onde as horas são engolidas. Um alkaseuser por favor!? Deixo a aflição da minha estreiteza, espreguiço o que ficou contido. Somente uma pergunta em mente: Quem foi mesmo que tirou do lugar o pequeno sino? Desperte.
O relógio, imperturbável, continua a girar sua inexorabilidade.
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