CONVERSA COM O TEMPO
Flora Rodrigues

Pedi ao tempo que voltasse para trás. Ele respondeu-me que não podia, que no leito da vida não havia tempo para voltar para trás. Tinha de seguir em frente como os rios, por caminhos por vezes sinuosos. Mas não podia voltar para trás, como as águas do rio tinha que correr sem parar. Ele disse-me que a única diferença que existia entre ele e os rios é que estes correm para o mar e ele não sabe onde a sua corrida vai parar. Só sabe que não pode voltar para trás, que não pode parar. Disse-me que tal como os rios não me podia devolver o que me tinha tirado pelo caminho. Mas, que eu se eu o acompanhasse teria sempre comigo as minhas recordações e sonhos de outrora. Disse-me também que se eu o acompanhasse me traria novos sonhos, novas oportunidades. Eu respondi-lhe que ia tentar, mas que por vezes ele corria depressa demais e eu perdia-lhe rumo. Ele respondeu-me que não, que nunca andava nem mais depressa, nem mais devagar, que caminhava sempre com a mesma passada. Pois se não podia parar, não podia avançar, nem se podia atrasar na sua caminhada. Disse-me que eu não me apercebia, mas que eu é que não tinha vontade de o acompanhar nessas alturas e por isso lhe perdia o rumo. Fiquei pensativa e concordei com ele em tudo. Sim o tempo já tinha levado com ele, muitas coisas que me pertenciam. Momentos que eu daria tudo para viver de novo, pessoas que não voltei a encontrar, sonhos que não consegui realizar. Também tinha levado consigo os maus momentos. De facto ele deixara-me apenas as recordações e as frustrações, em que por vezes ficava tão embrenhada que me esquecia, que o tempo não parava e não o conseguia acompanhar. Mas o tempo não parou. Não parou e trouxe novos momentos de felicidade que eu tento agarrar, para que eles não se percam na correnteza do tempo, no leito da vida. Trouxe-me novas perspectivas de vida, novos motivos para ser feliz e sonhar, novas oportunidades, novos sonhos por concretizar. Ele disse-me que não era ele que nos dava ou retirava nada. Éramos nós que sabíamos ou não acompanhar a sua caminhada retirando o que de bom o tempo trazia com ele e deixando escapar na sua correnteza alguns sonhos, alguns momentos felizes e alguma tristeza. Então eu percebi, que quanto melhor eu o pudesse acompanhar, melhor aprenderia a aproveitar o melhor que o tempo trazia ao de cimo do leito da vida. Aprenderia guardar o não queria que ele levasse na sua corrida e a deixar escapar na sua correnteza as tristezas da vida. Foi quando lhe ia perguntar para onde ele seguia agora e vi que ele já tinha passado e eu tinha que viver intensamente para o conseguir acompanhar.

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