PRIMEIRA VISITA
Fernando Borba

Sempre que passo pela frente da casa, vejo sua cabeça entre os cachos das acácias. Não consigo encarar seus olhos embaciados. Meu coração acelera, quero parar, falar... Que custa um bom-dia? Sinto as mãos trêmulas, um sufocar na garganta, pesos amarrados nas pernas, uma contração no estômago. Não tenho coragem. Mas hoje ela estava em seu portão. Branca, leve vestido branco. Sorriu. Falou o bom-dia que lhe neguei tantas vezes por timidez. Seguiu-me com o olhar úmido. Refiz o mesmo caminho três, quatro vezes.

À tardinha, ela estava. Mesmo sorriso, um boa-tarde risonho. Daquela vez perguntou se eu morava ali perto. Parei. O coração explodia. Respondi, a voz sumida. Um céu maravilhoso se abria: estávamos conversando. Chama-se Esmeralda. Eu disse meu nome, os lábios ressequidos. Convidou-me a entrar (eu quase tropecei nas pedras do jardim), me fez sentar numa cadeira antiga, estofada em veludo cor de rosa, sentou em frente, trêmula também. Ela disse que morava naquela casa desde o fim da guerra - mas que guerra? Não sei de guerra nenhuma.

"Faz muito tempo. Você não era nascido. Meu menino..."

A luz do crepúsculo bateu sem piedade nas finas carquilhas de seu rosto, na encovada boca, resvalou pelos brancos e ralos cabelos. Começou a cantarolar:

"Era o meu lindo jangadeiro
Que vivia lá no alto mar
Tinha o olhar doce e fagueiro
La-la-ri-la-la-la-ri-la-la..."

Deitou a cabeça para trás, numa grande risada, mas não se ouviu som algum. Os olhinhos tinham pequenas lágrimas. Estendeu a mão, hesitante, pôs sobre minha mão, e meus sentidos se alvoroçaram. Esmeralda percebeu, levantou-se e acariciou o zíper de minha calça. Ia caindo, eu a segurei. Fez-me sair da cadeira, me levou até uma porta em frente, entramos. Seu quarto, a cama coroada por um delicado dossel azul. Inesquecível aroma de flores amassadas dentro de frasquinhos com álcool.

Arrastou-me até a cômoda trabalhada com antigas marchetarias, abriu uma gaveta e vi os bordados, tules, corpetes rendilhados. Meteu a mão sob os panos e encontrou uma fotografia, que me mostrou, séria. Entre manchas desbotadas, o rosto de um jovem com barba, gravata de laço, chapéu negro. Nada pude dizer. A dor do ciúme foi como um travo que nasceu de repente, subiu do peito e me embargou a voz.

Ficamos a nos olhar, mudos. Lentamente ela fez um esforço, espichou-se nos chinelos de borlas e colou sua boca na minha. Aquelas rugas fragosas, finos pelinhos brancos, a verruguinha na comissura dos lábios. Balbuciou alguma coisa e as dentaduras estremeceram. Abracei suas magras costas e enlouqueci de desejo. Mas Esmeralda se afastou de súbito:

"Por hoje chega."

Mandou-me sair, um tanto ríspida. Empurrou-me para a sala, para a varanda, para o jardim.

"Foi só a primeira visita. Temos ainda muito tempo."

Devo passar de novo amanhã pelas acácias. Mas posso esperar.

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