EMBARQUE E DESEMBARQUE
Fátima de Carvalho Palácio

As possibilidades de um sorriso.

Você fala comigo, fazendo estatísticas. Cálculos no guardanapo.

Lá fora a cidade amanhece com chuva, quero lembrar daqui para sempre assim. O cinza, os prédios, a rua molhada. Andamos abraçados sem pressa. Brincar de amarelinha na calçada.

Seremos um casal de românticos, perdidos em um cinismo irreversível?

Qual a probabilidade, qual a margem de erro, qual o medo?

Na esquina você fala com seriedade: já é domingo. Um menino surpreso, preso a um embarque, a malas sempre semidesfeitas, o gosto desnatado de camas de hotéis.

Passo a mão em tua barba, já com saudades. A dor antecipada. Deter o tempo.

Para sempre sentir teu rosto em minha mão, a chuva escorrendo em meus óculos. Debaixo da marquise você acende um cigarro. Queria inalar você. Guardar em meu coração, cheirando a nicotina. Seguro teu cigarro, enquanto você amarra os sapatos, aos meus pés.

Tua gargalhada espalha o momento. A exata percepção do significado.

Então, como antes, quando éramos apenas uma probabilidade, você me convida para passearmos pela ampulheta. O momento que conheci você. Eu, uma brasileira renitente, você uma criança sem pátria.

A primeira cerveja, o preconceito deixando você triste. Teus olhos de estrangeiro.

O café da manhã, tua inteligência iluminando o aeroporto. Hoje sei que não queria voltar. Mas passou, assim como uma gripe.

Voltamos para a chuva, para o domingo. Na esquina, dou sinal para o táxi.

Em casa, olho para tua fotografia. O momento para sempre imortalizado, para sempre perdido.

As possibilidades de um sorriso.

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