UM CLONE POR DIA
Eduardo Loureiro Jr.

Um dia, ele acordou com um outro sujeito na cama, entre ele e a mulher. Antes de tomar uma atitute - o sujeito estava dormindo, então ele tinha algum tempo -, resolveu examinar de quem se tratava. E se espantou: era ele mesmo, ou uma pessoa extremamente parecida com ele, um sósia, um clone.

O outro acordou com o espanto do um, e talvez um outro cronista, sósia ou clone deste que vos escreve, tenha começado uma crônica assim:

Um dia, ele acordou com um outro sujeito na cama, entre ele e o criado-mudo...

A verdade é os dois eram o mesmo. Saíram antes que a mulher acordasse e passaram o dia conversando. Eram idênticos em tudo: aparência, gestos, pensamentos... Não foi difícil concordarem e combinarem o que iriam fazer dali em diante: um deles, preferencialmente o original, mas ninguém sabia dizer qual era o original, continuaria em casa, com a mulher, o outro sairia para fazer o que quisesse, realizar antigos projetos, conquistar antigas paqueras, aventurar-se enfim.

No outro dia, ele acordou ao lado de uma mulher, que era a dele, e ele sabia que era a dele, mas não se lembrava de como a havia conhecido. Tudo que se lembrava era do dia anterior, de que tinha se acordado com um outro sujeito na cama, entre ele e o criado-mudo. Lembrava-se do dia anterior inteiro, do que haviam combinado. Devia ter sido um sonho, ou então o que estava vivendo agora é que era um sonho. Mas não conseguiu se decidir, porque não sabia o que era mais estranho: acordar-se com uma cópia exata de si mesmo na cama ou acordar-se sem se lembrar de nada do que lhe aconteceu dois dias atrás. Resolveu levantar e tomar um banho antes de sair em busca do outro ele, que tinha dito que ia passar a noite na casa de um amigo que estava viajando e que tinha deixado a chave para qualquer imprevisto.

Quando entrou no banheiro, o outro estava lá, sentado na privada, nu, apoiando a cabeça com as mãos em grande dor. Ele se sentiu aliviado por não estar sozinho. A situação lhe pareceu menos desesperadora do que quando tinha acordado. Na pior das hispóteses, teria alguém para lhe beliscar e lhe tirar daquele pesadelo. Brincando, falou para o outro:

- Que é isso, tá com prisão de ventre?

O outro, sem mostrar qualquer ânimo, respondeu:

- Não, apenas não consigo lembrar o que me aconteceu há dois dias.

Foi então que ele percebeu que o outro não era o outro, mas um terceiro, no que o terceiro concordou, apesar de ter argumentado que ele - o que acordou depois - é que era o terceiro. Pequenas divergências à parte, decidiram sair e procurar pelo um, supostamente o primeiro, mas a essa altura nenhum tinha muita certeza.

Os dois encontraram o terceiro na casa do amigo. Ele também estava transtornado porque não conseguia lembrar de nada anterior às últimas 48 horas, mas então um milagre começou a acontecer: eles começaram a se lembrar, de tudo, tudinho. Depois de se abraçarem comemorando a volta ao normal, conversaram sobre a perda de memória e chegaram a um novo consenso: quando eles se separavam a memória era apagada. Eles tinham que ficar juntos, seus corpos como que formando uma bolha de tempo, para que eles pudessem lembrar de suas vidas.

Logo teriam que dormir juntos. E, naquela noite, um deitou em cima da cama, com a mulher, e os outros dois ficaram embaixo da cama, escondidos.

Mas, no dia seguinte, havia dois homens em cima da cama, e mais dois embaixo da cama. Um novo e idêntico homem surgia a cada dia. Eles estavam sendo fecundados pelo tempo.

Sentiram-se compelidos a encontrar uma saída urgente. Mas um deles lembrou, e os outros concordaram, que cinco cabeças pensam melhor do que quatro - mesmo todas sendo a mesma - e decidiram adiar tudo para a manhã seguinte...

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