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MINICONTOS DE NATAL
MINI-CONTOS DE 2001
todos os mini-contos do mini-concurso para a mini-mensagem de natal dos macros-anjos de prata
 

RENOVAÇÃO
Alberto Carmo

Véspera de Natal, andava pelas ruas e via pessoas irritadas, a buscar presentes adequados a cada orçamento.

No supermercado, levas de gourmets com carrinhos gulosos, bravejando pelos anos-luz até o caixa.

Nas ruas, a correria de gente com relógios apressados, no desespero do momento da largada.

Nas avenidas, multidões de veículos aglomerando-se ensurdecidos ao som de buzinas encolerizadas.

Nos becos, olhos revoltados com armas em punho, prontas para o ajuste anual.

Embaixo dos viadutos, casais operando milagres, a conter a prole inquieta.

Na favela, a mesa simples, pobremente enriquecida com refeição frugal.

No alto dos edifícios, luzes refletindo o sol recém-posto, a iluminar o banquete em black-tie.

Voltou à casa, parou todos os relógios, apagou o fogão, tirou o telefone do gancho, abriu portas e janelas.

Serviu-se de inebriante copo d'água e afastou as cortinas. Olhou o céu com braços de anjo e brindou:

- Feliz Natal, Pai nosso que estais no céu!

 

NATAL UMA VEZ MAIS
Bárbara Helena

Sim. É Natal.

Sei que é Natal porque ouço os guizos dos trenós percorrendo os céus. E sinto o cheiro das castanhas assadas na varanda da memória. Passam carros ao longe, carruagens, carroças, foguetes.

Lá fora venta forte e posso ouvir as folhas do pinheiro imenso armado no meio da sala. Posso ouvir também as pessoas que cantam e os som agudo das flautas infantís. De longe vem o cheiro de canela das rabanadas e do vinho, da champanhe estourando em torno de mim.

Sim. É Natal outra vez.

Sei disso muito, fortemente.

Então, eu atravesso a sala com meu vestido de lua, pego sua mão que me enlaça e me estreita, beijo sua boca de mistérios.

Dançamos o Natal, as festas, o Ano Novo. Dançamos a esperança.

Somos todos os reis, os bispos, as rainhas. Somos todos peões da nossa fantasia.

E é Natal outra vez. Uma vez mais.

Ainda.

 

FANTASIA DE NATAL
Beto Muniz

Dona Luiza, 56, viúva recente, estava preocupada com a chegada do 25 de dezembro. O marido, que sempre vestira a roupa vermelha na noite mágica, havia desencarnado em junho e só agora ela esquecera do luto e dera conta de que o natal se aproximava. Angustiada passou a visitar shoppings, lojas, eventos e apresentações diversas em busca do Papai Noel que pudesse substitui-lo. Encontrou vários que poderiam representar o bondoso homem, mas nenhum evocou-lhe a figura do falecido. Tudo que ela precisava era alguém que tivesse o mesmo biótipo do esposo para que a roupa, a falsa barriga e a barba coubessem na medida exata. Não queria modificar a figura que alegrava, inclusive, o almoço dos netos. Precisava ter olhos azuis. Quase que obrigatório. Quase que não o encontra a tempo. No dia 20, porém, ela encontrou o Papai Noel ideal. Combinou regras, valores e horário. Durante o que restava de prazo Dona Luiza preparou os presentes, a casa, a ceia, a alma. Na tarde do dia 24 o contratado veio buscar a fantasia e adereços que deveria usar. Meia-noite em ponto invadiu a casa pela porta da frente vestido a caráter e encontrou a viúva em fogo, vestida de seda. Na madrugada, como combinado, foi embora levando quatrocentas moedas e o luto de Luiza. No chão do quarto ficou a barba branca que usara e em cima da cama a mulher que, apesar da morte do marido, decidira manter viva a tradição de Natal. No almoço o homem voltou e vestiu a barba que esquecera, mas agora a festa era em família e a fantasia também.

 

PERDAS E DANOS
Carolina Marábes

Admirando o tamanho da barba falsa do Papai Noel de shopping o menino viu quando o enfeite de natal se desprendeu do topo da árvore. Os olhos do menino acompanharam a queda rápida e no meio do vôo o garoto já previu barulho de vidro se espatifando. Antegozou a pancada na cabeça do falso Papai Noel, que aos olhos da menina gorda e feia parecia verdadeiro – ela acreditava que Deus gostava mesmo era de crianças gordas e tristes e por isso mandava Papai Noel vir lhe entregar presentes no dia de aniversário do seu filho Jesus –. Extinguindo o riso que se formava nos lábios do menino, a bola colorida terminou sua viagem perto dos calcanhares do velhinho. O susto fez o corpanzil embrulhado em tecido vermelho saltar e estatelar-se qual o enfeite, só não quebrou como o outro, no entanto, sem barulho, quebrou-se a magia na mente da menina que testemunhou o tombo de olhos bem arregalados. “Papai Noel também tem medo” – pensou. E desde então não dorme mais com a luz apagada.

 

PAI NATAL DE CHOCOLATE
Flora Rodrigues

Já se passaram alguns anos desde esse Natal. Mas esta história é real. A cidade para mim ainda era estranha e fria, cinzenta e sombria. Mas as ruas pareciam encher-se de luz e alegria. Dava gosto passear. Ver as ruas enfeitadas e as lojas engalanadas . Passeava com uma amiga, quando um miúdo de ar ladino, vestido de roupas andrajosas me abordou. Abriu a mão, mostrando-me um punhado de moedas, e disse-me que tinha andado a juntar aquelas moedas para comprar um Pai Natal de Chocolate. Pediu-me então que lhe desse uma moeda para o ajudar a comprar o tal pai natal. Comovida com a honestidade e inocência raras numa criança de rua , respondi-lhe que o oferecia se ele viesse comigo à loja e o comprasse na minha frente. Vi o maior sorriso do mundo e os olhos mais brilhantes de que me recordo até hoje. Fomos até à loja, mas ele só aceitou que eu lhe oferecesse o resto do dinheiro que lhe faltava .Comprou o desejado Pai Natal de chocolate, deu-me um abraço andrajoso, mas caloroso e desejou-me um Feliz Natal.

Nesse dia dei valor aos pais natais de chocolate que eu gostava de pendurar na árvore de Natal. Nesse dia percebi, que a melhor prenda de Natal é fazer alguém feliz, nem que seja com um Pai Natal de chocolate.

 

NATAL PARA TODOS
Larissa Schons

O pequeno órfão que sobrevivia engraxando sapato, naquele dia não poderia fazer o mesmo. Era Natal e as ruas estavam vazias. Ele sentia fome, frio, cansaço, mas o que mais lhe incomodava era uma sensação de impotência. Seu coração estava gelado como a neve que caia em sua roupa rasgada. Ele não sonhava e sentia-se só. Caminhou no sentido das numerosas luzes e avistou famílias trocando pacotes de presentes. Outras em restaurantes comemorando a ceia. Algumas rezando na Igreja. Estavam todas felizes. Chegou à conclusão que se o Natal era troca, comilança, música e alegria, então o Natal não era feito pra ele. E sentiu-se mais só. Foi agachando-se no fio da calçada e começou a chorar. Uma folha de jornal tapou-lhe o rosto. Abriu o velho diário e deparou com a foto de um afegão tão maltratado, fraco e abatido quanto ele. Identificou-se. E ao identificar-se se sentiu capaz. Já não estava só. Não era o único. E não sendo o único poderia lutar. Poderia sonhar. Poderia ser feliz. Poderia ter uma família. Poderia comemorar o Natal. Não importasse a distância, a raça, a língua, não estava só. Outros no mundo viviam iguais ou pior do que ele, mas se unissem, se dessem um grande laço poderiam vencer porque a união faz a força. E enquanto isso tanto lá quanto aqui pessoas cantam "Então, bom Natal pro branco e pro negro, amarelo e vermelho pra paz afinal".

 

OLHOS DE JABUTICABA
Luís Valise

Você já deve ter visto. Basta o sinal ficar vermelho e eles aparecem, às vezes aos pares. Parado e distraído, eu olhava a decoração de Natal que teimava em me enfiar felicidade olho abaixo. Então ele chegou, colou a testa no vidro da porta e ficou lambendo com os olhos o interior do carro. Possivelmente jamais entrara em um. Do painel e seus ponteiros o olhar passou rapidamente pelo meu relógio de pulso, com a inocência de quem ainda não domina os mistérios do tempo. Em seguida sopesou minha barba quase branca. E nossos olhares se encontraram. Posso estar errado, mas pra ele Noel ainda é um som sem sentido. Papai, então, conhece de ouvido. O que ele queria mesmo acho que era apenas um pai.

Feliz Natal.

 

NATAL PARA CLARA
Marco Aurélio B. Lima

Arrastando a grande boneca de pano pelo pé, ela sorria seu encanto a todo mundo, olhando para cima. Não importava se as pessoas a notavam ou não, sua reação era a mesma: um sorrisinho silencioso que cavava as duas covinhas nas faces, um leve inclinar da cabeça para o lado, enquanto a mãozinha livre ia até o queixo. Depois continuava andando, até o próximo par de pernas e o próximo sorriso. Alguns tentavam chamar sua atenção, pegá-la no colo, falar com ela, mas ela não dava bola pra nada, nada a demovia de seu tour de reconhecimento do local.

Olhava silenciosa para os primos mais velhos que, de quando em quando, passavam feito uma manada. Aceitou uma uva que a tia lhe estendeu, e foi comê-la mirando longamente a árvore de natal na sala, as luzes, enfeites e o monte de caixas de presente embaixo das folhas verdes. Virou de costas para a árvore e ficou por algum tempo admirando a confusão de copos, vozes, roupas coloridas, cabelos esquisitos, o Frank Sinatra no som e a risada estridente da tia Leonor compondo a moldura. Então resolveu refazer o caminho inteiro, cruzando a casa de fora a fora.

Viu a prima chorando, foi até ela e lhe deu a boneca. Passou por entre as diversas rodinhas mandando beijos estalados para todos. Fez cafuné na cabeça do cachorro, deitado na porta da cozinha, abriu um sorriso lindo para o primo que derramou o copo de ponche.

Abriu a porta do quarto escuro com grande esforço, andou até a cama, trepou nela e deu um grande beijo no rosto da vó moribunda. Depois aninhou a cabeça no peito dela e adormeceu.

 

CONTO DE NATAL
Mário de Souza Neto

O pequeno estava sentado na varanda. Parecia irrequieto, ansioso, um pouco triste. Não havia ganhado um carrinho, um avião, um trenzinho que fosse. Mas isso nem tanto o incomodava. Nunca vira Papai Noel em sua casa. Nunca. Só na rua, na TV e na escolinha. Nos cartazes e nos cartões de Natal. No parquinho e nos amigos. Não na sua casa. Nunca. Sentia, tão cedo, o gosto amargo do preconceito.

Preferiu ficar em silêncio, distante da família e mais próximo do céu, onde fixava seus olhos com uma infinita esperança. Lágrimas escorreram pela sua doce pele, teve sua esperada resposta. Uma estrela acabava de piscar para ele.

 

PRESENTE DE DEUS
Maurício Cintrão

Reunidos em torno da mesa, os meninos esperavam a mãe, impacientes. Oito filhos, nove pratinhos de plástico. Hum, suco de pacotinho!, disse um deles. É de morango, completou outro. A vela, falta a vela, lembrou a Mariazinha.. Foi isso que a mãe foi buscar, sua besta!, respondeu Pepê. Não fale assim com sua irmã, repreendeu a mãe, entrando na cozinha. Hoje não é dia de briga. Nico, tira a mão do bolo! Sossega Joana, a gente já vai cantar. Dedé, apaga a luz. Cadê o fósforo? Tá aqui mãe. Então acende. Vai fazer xixi na cama, vai fazer xixi na cama, provocaram dois ou três. Quietos vocês. Deixem o Nezinho acender a vela em paz. Mijão!, gritou um lá do fundo. Quer levar um tapa na boca, menino? Não mãe, desculpa. Pronto, acendeu. Dedé, apaga logo essa luz. Ih, apagou! Mas será o Benedito, Paulinho! Não é para assoprar ainda. E todos riram, inclusive a mãe. Vai Nezinho, acende de novo e se alguém apagar vai apanhar aqui mesmo! Isso, acendeu. Dedé, apaga a luz. Isso, vamos, todos juntos. Parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida...

E a mãe assistiu encantada àquele espetáculo tão especial. Toda a sua família reunida. Era o melhor presente que Deus poderia lhe dar no aniversário de Jesus.

 

MARICÉU
Míriam Salles

A menina olhava o mundo e se surpreendia com tudo que via. Nada mudara, mas tudo estava diferente. O sol parecia que brilhava mais forte e nem estava tão quente. As pessoas na rua pareciam mais felizes. As flores pareciam mais coloridas e as árvores mais frondosas. Olhou em volta procurando seu amigo inseparável, o Leo. Achou-o encolhidinho atrás de um arbusto de marias-sem-vergonha.

- Leo, por que está tudo tão diferente hoje? ela perguntou. As pessoas que passavam achavam graça daquela menininha falando sozinha e sorriam com complacência. Ah! a infãncia. Época em que tudo podemos e nada queremos.

Leo respondeu como sempre, explicando tudo aquilo que ela não conseguia entender. Ela sorriu e correu para casa, feliz com a descoberta. No caminho encontrou as duas meninas que viviam rindo dela.

- Olha quem vem lá, aquela boboca de laço de fita e vestido rasgado.

- Olha como ela sorri, será que pensa que vai ganhar alguma coisa hoje? Será que ainda acredita em Papai Noel? Sua boba, papai noel não existe. Quem compra os presentes é o pai da gente e você não vai ter presente nenhum porque não tem pai.

Ela tampou as orelhas com as mãos mas era tarde, já ouvira tudo. Procurou com os olhos pelo Leo, sabendo que ele a acalmaria, mas não o viu em nenhum lugar.

- Quem você está procurando sua boba? Seu amigo invisível? Ele também não existe, como o papai noel.

Recomeçou a correr mas mesmo apertando com força as mãos contra as orelhas, ela escutava a cantoria que dizia:

- Maricéu, Maricéu.
- Não tem pai nem papai noel.
- Não tem pai nem amigo Leo.

 

CORAÇÃO DE ÁGATA
Paffomiloff

Um mal contato, nas entranhas do poste, fazia com que a lâmpada de mercúrio sofresse as mordidas da escuridão, enquanto sua fria luz arranhava as paredes trepidantes do viaduto, morrendo antes de alcançar os papelões enrugados e cobertos de mofo, onde dormia a menina, abraçada ao cão, com quem partilhava amor e parasitas.

O animal não latiu, mesmo percebendo a aproximação do espírito dos esquecidos, que, naquela noite, concedeu a Ágata um sonho branco.

 

ESTÁ CHEGANDO
Viviane Alberto

As crianças de classe média sabem que o Natal está chegando porque viram num anúncio da televisão.

Os mendigos sabem que o Natal está chegando porque as pessoas começam a reparar mais neles e lhes jogam uma nota ou duas, enquanto passam rapidamente. E também porque aparecem cascas de nozes nos restos dos latões.

O executivo sabe que o Natal está chegando porque sua mulher lhe mostrou, numa revista, o mais novo lançamento da H. Stern.

A dona de casa sabe que o Natal está chegando porque a pilha de panetones já foi colocada bem no meio do corredor principal do supermercado. E o preço das passas subiu.

A dentista sabe que o natal está chegando porque ninguém mais quer fazer tratamento de canal.

Eu sei que o Natal está chegando porque começo a sentir saudades de tudo e de todos, desde a hora em que acordo. E estou escrevendo justamente por isso, porque no Natal a gente tem vontade de abraçar o mundo, mas a distância não deixa.

Pra isso servem as palavras. Elas fazem com que nossos desejos - de um bom Natal, um ano novo lindo - cheguem a qualquer lugar.