O
SHOW DA VIDA
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Viviane
Alberto
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Já
acabou, o último que saiu apagou a luz e fechou a porta. Agora a gente pode
falar a respeito. Ou quase.
E não é que o homem do baú fez explodir uma bomba? Espichou os olhos na fórmula dos outros, deu uma abrasileirada aqui, um popozão ali, uma lágrima acolá e tava feito o sucesso. Mas não é do programa em si que eu queria falar, é de curiosidade. Sim, porque a velha e boa curiosidade, aquela que matou o gato - e eu nunca entendi porque - é o motor dessa coisa toda. O que mais faria alguém ficar prestando atenção num cara escovando os dentes? Assistir aos outros assistindo televisão? Não é estranho isso? E pensar que tudo saiu da mente de um escritor, que, num livro, criou o tal do Big Brother*. Uma paródia de Deus, onipresente e onisciente, capaz de monitorar a tudo e a todos, o tempo todo. A velha paranóia de 'acho que estamos sendo observados'. Vai ver que no fundo, todo mundo é assim, meio voyeur. Primeiro foram os diários. Já parou pra pensar em quantas e quantas páginas foram preenchidas pelo cotidiano de milhares de pessoas? Coisas escritas para, supostamente, nunca serem lidas por ninguém. Se era pra ninguém ler, porque caprichar tanto, porque tantos detalhes? Pra dar uma força pra memória, você pode me dizer. E eu digo que não, que a gente não se esquece dos detalhes nunca, por menores que sejam. A afetividade é uma bola de neve adorável, despertada pela menor lembrança. Aquilo que mexe realmente com a gente fica como filme na nossa cabeça - amnésias a parte - mesmo quando a gente tenta esquecer. Diários querem ser lidos. Mas os antigos diários íntimos, muitas vezes trancados a sete chaves (perdidas depois) estão sendo substituídos lentamente pelos blogs. Diários virtuais, internéticos, moderníssimos, onde você pode ficar sabendo quem fez o quê e quando. Está tudo lá, pode olhar. E o mais incrível: pode opinar. Isso mesmo, pode dar pitaco na vida dos outros! Mexericos, listas dos mais mais, dos nada a ver, os mais lidos, ouvidos, vendidos. Tudo muito íntimo e pessoal. Ah, e com música ambiente. É só clicar. Uma amiga vive me perguntando porque eu não faço logo um blog. Ela diz que assim é mais fácil matar saudades de quem a gente gosta. E é mesmo. Você fica sabendo de tudo, desde de o que a pessoa comeu no jantar até ver a paisagem da janela dela. Também têm fotografias ótimas e eu ia quase me esquecendo de dizer. Mas e por quê é que eu não tenho um blog, mesmo? Por vários motivos. Minha conexão é uma droga. Ainda uso discador. E o principal: o medo da mediocridade. Já pensou, todo mundo saber que eu não fiz nada de interessante um dia inteiro? Que eu tomei um iogurte desnatado de frutas, li umas mensagens no computador, respondi a poucas, por preguiça. Que fui ao cinema assistir a um filme que todo mundo achou ruim. E eu gostei. Que é muito brega comer pastel com caldo de cana, na feira. E eu adoro. E se alguém comentar que detesta as cores que eu escolhi e que nada combina com nada. E se disserem que minha opinião a respeito da campanha presidencial está completamente equivocada. E seu eu for descobrindo que, individualmente, sou muito pequena. E sem graça. E frívola. Consciência é assim, de estalo. Posso me desiludir comigo mesma, com meu mundinho, a casa pode cair... Acho que não estou preparada pra ficar frente às câmeras do Grande Irmão, mesmo que virtual. É difícil demais admitir, mas por mais que as fronteiras do mundo estejam caindo, ainda prefiro acreditar que estou protegida de uma avaliação assim, tão ampla, geral e irrestrita. Nesses tempos de malhas finas e quebras de sigilo, a intimidade é definitivamente um templo. Por enquanto. ________________________ |