UM
PRESENTE MUITO ESPECIAL
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Sonia
Lencione
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Passei
toda aquela tarde tentando escrever uma carta para o Papai Noel.
Minha letra era ainda irregular e não conhecia todas as letras. Sentia dificuldades em formar palavras, frases. Afinal mal havia completado seis anos de idade e nem freqüentava ainda a escola. Minha irmã mais velha havia me ensinado as primeiras letras e eu desejava escrever uma cartinha bem especial. Eu lhe mostrava o que conseguira escrever e ela balançava a cabeça num gesto que mostrava o quanto ainda não estava boa. Então, para escrever por mim se oferecia (acho que sempre lhe inspirei um sentimento maternal e pela vida afora ela sempre procurou me proteger e me amparar) e eu só assinaria. Eu não aceitava a oferta, claro! A carta teria que ser escrita por mim e por mais ninguém. Escrevia numas folhas escuras, papel de pão, e no canto da mesa o maço de papéis diminuía, enquanto aos meus pés o monte de folhas amassadas crescia. O lápis, tantas vezes eu o apontara para deixar o grafite bem fininho que já se transformava num toco. E nada desta carta ficar pronta! Às vezes pensava em entregar os pontos, pensava que era incapaz ainda de redigir uma carta ao Papai Noel admitir, mas desde muito cedo a obstinação fora o ponto forte de meu caráter, e por nada deste mundo eu iria desistir. Cansada por fim, concordei em copiar a cartinha que com todo carinho a mana me preparara. Tentei arredondar a letra, mas não tive muito sucesso. Mesmo assim ficou apresentável. Nos desenhos eu era um fracasso, só sabia desenhar borboletas, corações e casinhas simplezinhas. Ah! Sabia desenhar o encontro de dois montes com um sol nascendo bem no centro! Esse tipo de desenho, que penso eu, toda criança de seis anos sabe fazer. Mas eu já sabia pintar bem e com uns tocos coloridos consegui um bom efeito nos desenhos. Coloquei a cartinha sobre uma velha cômoda, onde por certo o bom velhinho logo a notaria, e o sapatinho eu botei embaixo da cama. Era só esperar... esperar... Naquele tempo não havia ceia de Natal em nossa casa, íamos dormir na hora de costume e quando acordávamos no outro dia já encontrávamos o presente. Eram sempre presentes muito simples, mas que conseguiam dar um colorido todo especial àquele dia. Desta vez eu não pedira bonecas como sempre fazia. Pedira uma caneta tinteiro que tão cedo nem usaria. Sonhava com uma bem bonita, com alguma coisa de dourado nela para dar um ar de importância. Na noite do dia vinte e quatro tudo aconteceu como nos outros dias. Meu pai saiu para dar umas voltas, deixando minha mãe com três filhos pequenos e um que logo nasceria. Como sempre fazia, minha mãe nos sentou um a um em seu colo e contou histórias até pegarmos no sono (eu era sempre a última e queria muitas, muitas mais histórias...). Ao acordar no dia de Natal lembro-me que tateei da cama mesmo os meus sapatinhos para sentir se o presente lá estava. Senti que o embrulho era quadradinho e dentro eu percebia que continha algo macio. Papai Noel devia ter se enganado de cama. Corri a acordar a mana. Quem sabe se os presentes não haviam sido trocados? Sonolenta ela verificou que o seu presente era semelhante ao meu. Abrimos os pacotinhos e que decepção! Em vez da caneta o que havia dentro era uma bolsinha de mão! Não me lembro agora se a minha era a preta ou a branca. O fecho, ainda o vejo de memória, tanto brinquei com ele nos anos subseqüentes. Para aumentar ainda mais minha dor ouvi uma conversa de meus pais (que nem notaram minha presença), que a caneta era muito cara e que nem teria utilidade tão cedo. Para que fazer um gasto tão extravagante? Aquilo doeu demais, porque a partir de então nem em Papai Noel eu iria acreditar mais! Anos mais tarde ganhei a tal caneta, era cor de vinho, com o dourado que eu pedira. Meu pai pagou uma nota por ela e nem pude usufruir um objeto tão belo porque minha maneira de escrever é diferente das outras pessoas. Costumo deslizar a mão sobre o que escrevo e nem posso usar caneta tinteiro, só posso mesmo usar essas canetas que a tinta seca rapidamente sobre o papel. Não pude usá-la, só admirá-la. Guardei-a por muitos anos e um dia descobri que ela havia desaparecido da minha caixa de lembranças. O último elo com Papai Noel havia se rompido. Nem chorei... porque nem teria mais sentido! |