LUA AZUL
Rosi Luna
 
 
A Lua é azul e às vezes branca, e tem fases – lual, lual, lual. O grande pintor Picasso também tinha fases – fluft, fluft, fluft – e ia afundando o pincel na tinta. A moça estava vivendo a fase azul – foft, foft, foft – o vento farfalhava no vestido azul. Acompanhando o azul, tinha uma figura de linguagem que ligava um botão de volume nas palavras e se chamava centopéia. Eu queria ser um bichinho com muitas pernas, todas lindas e bem torneadas – ia ajudar a andar pelo mundo. Mas deixando os trocadilhos de lado, o que quero dizer mesmo chama-se onomatopéia – que nome mais complicado só pra dar sons às palavras. Isso quer dizer que, a partir de agora, se você colocar o ouvido neste texto, vai poder ouvir barulhos – cataplof, cataplof, cataplof.

Plic, plic, plic, ela deu uma piscada e aprofundou o olhar na direção em que ele estava. Mergulhou fundo como se fosse uma piscina – tchibum, tchibum, tchibum. Ele sentiu o olhar dela tão quente que quase ouviu uma sirene de bombeiros – ion, ion, ion. O amor tem dessas coisas, às vezes não se fala nada e coração bate alto – bum, bum, bum -, quer fugir do peito e ninguém vai segurar – vrum, vrum, vrum.

Ela não sabia que palavras usar, pegou o dicionário e – flip, flip, flip – foi folheando páginas. Ficou imaginando uma palavra bem barulhenta, que chamasse a atenção dele. Será que um – ploft, ploft, ploft de um caminhão betoneira? Não, esse era muito pesado. E que tal um – lá, lá, lá? Será que a música o aproximaria? Acho que não. E quem sabe um – vlapt, vlapt, vlapt de suas mãos mexendo uma comida no fogão para um jantarzinho romântico? Qual barulho seria mais adequado? Onde os ouvidos dele estariam nesse momento?

Ploc, ploc, ploc. Nesse minuto, a bola de chiclete estourou. Será que ele vai odiar bola enorme de chiclete pregada no rosto? Ela estava toda grudada e melecada. Foi puxando com a mão todo aquele emaranhado – glump, glump, glump. Ainda bem que ele não estava vendo a cena. Aposto que ia se decepcionar: como ela poderia ser tão nojenta e ainda por cima gostar daquela lambança? E chupando sorvete, então! Lépt, lépt, lépt é o barulho da língua lambendo e se lambuzando mais uma vez. Ela era tão livre quanto displicente e nem se importava em ficar com a boca toda palhaça quando saboreava o delicioso prazer gelado.

Na verdade estar vivendo a fase azul era estar vivendo a liberdade, com todas as gaiolas incineradas. Todo mundo era livre, inclusive os pássaros: vru, vru, vru, todos voavam felizes. Ele descobriu que ela era parte do céu, parte da lua, parte de uma pintura. Ela era também abstrata, insensata e autodidata. Ela continuava tentando fazer com que as pessoas, além de ler suas palavras, pudessem ouvir também: pei, pei, pei. (Eu não matei ninguém, mas parece tiro de revólver – tudo faz de conta, tá?)

Ela saiu andando na praia com o vestido azul lotado de margaridas, pés descalços – frum, frum, frum – afundando na areia. E de repente – trim, trim, trim – era uma ligação no celular. Ele era um agente secreto querendo marcar um encontro. Dá pra imaginar um encontro com um homem assim – taram, taram, taram. Bem, eles se encontraram em um lugar tão aberto e tão imenso que nem foram vistos. O lugar era azul, o vestido era azul e camisa dele era azul. Ficaram tão integrados à paisagem que quase viraram quadro. Se não fosse aquele beijo sugador – sug, sug, sug - tudo tinha ficado azul. Mas o beijo – smack, smack, smack - e o amor deles foi dando um tom vermelho em tudo. É como se fosse colorizando aquele momento.

A Lua continua mudando de fase, Picasso mudou de lugar no céu e ela continua mudando de lugar, escrevendo palavras ao vento – vumpt, vumpt, vumpt. E seu intento? Que ele ouça – toc, toc, toc – como uma batida na porta do seu coração. E que ele sinta cada palavra entre vírgulas – vig, vig, vig. Viu, que até as vírgulas tem um som próprio? Ela não precisa falar alto. Quem sabe ele dá um sopro no ouvido – fum, fum, fum – e ela vai arrepiar inteira, né?!

Qual será o barulho do desejo? Com certeza macio como veludo – vel, vel, vel. Como casca de pêssego – pess, pess, pess. Como lã de carneiro – clump, clump, clump. E ela saiu andando na praia até que – pluft, pluft, pluft - caiu no castelo de areia. Encontrou seu príncipe – clépt, clépt, clépt – e viveram felizes até uma nova fase da lua. Ela é uma mulher que gira como o planeta – plac, plac, plac. E que ama como a fusão de gametas – gam, gam, gam. E quer que te fale do barulho do amor? Moon, moon, moon. Parece lua. Talvez amor e lua combinem. A lua é azul e às vezes branca. E pode até ser vermelha: luna rossa – rosa, rosa, rosa.

 
 
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