VIA
IGNUS
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Marta
Rolim
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O
pequeno Cristo atravessou a senda estreita que conduzia ao jardim - ocultada
por um espesso véu de teias de aranha - e deparou-se com a serpente guardiã:
os três chifres ancestrais da víbora despontavam no alto de sua cabeça triangular,
apontando diretamente para o rosto do menino! Ela o mirava imóvel, com seus
olhos de pupilas riscadas, quieta, enroscada, quase invisível entre as folhas,
mas Jesus podia ver a ponta curva de seu rabo, que ostentava um poderoso
espinho negro. Um espinho mortífero suspenso no ar. Rabo de escorpião -
pensou o pequeno, assustando-se - uma víbora com rabo de escorpião!
A serpente estava parada em seu lugar de costume, sonolenta e desinteressada da vida - embora sempre de olhos abertos - quando viu o véu romper-se em chispas de luz e um magnífico rapazinho saltar da escuridão da mata. A face do menino, morena e lustrosa, contrastava vivamente com a face medonha do ofídio. A serpente e a criança miraram-se. Jesus finalmente reagiu, rompeu o silêncio e a paralisia que o tomava, desejando livrar-se logo do olhar hipnótico da guardiã. Perguntou como andava o paraíso. A cobra sibilou, exibindo sua língua bipartida, e nada respondeu. Não era à toa que a serpente guardava o paraíso! Tinha fama de ser o mais astuto dos animais que haviam no jardim. O rapazinho não deu-se por vencido. Com eloqüência inesperada, explicou pacientemente à cobra que haviam humanos que gostariam de voltar ao jardim de delícias e que ele fora incumbido de resgata-los. A serpente riu, maliciosa, e foi rindo cada vez mais à medida que mergulhava no olhar inocente da criança. Gargalhou alto, a boca frouxa, as duas presas pontiagudas resvalando para fora. A língua bipartida escancarou-se e os olhos calculistas afinaram-se, o ferrão negro dançou no ar, acompanhando os movimentos espasmódicos do longo ventre. A cobra inteira sacudia-se de tanto gargalhar, mas súbito, como se algo a tivesse alertado, estancou o riso e assumiu sua postura cautelosa e vigilante. Cara Luz - disse a peçonhenta para o tenro Cristo - o paraísssssso sssempre está aberto, diga aosss humanosssss que eles podem voltar sssempre que quisssssserem. O menino achou estranha a resposta da guardiã, e de modo algum confiou nela, porém, nada mais havia a ser dito. Sabia que não podia contestar a palavra da serpente. Jesus agradeceu à víbora e virou-se para atravessar a senda novamente, que a esta altura já se encontrava quase totalmente selada pelo véu de teias que as aranhas teciam sem parar. Foi quando o pequeno Cristo viu - no espelho dos diminutos olhos das aracnídeas - a serpente se movimentando em total silêncio às suas costas, elevando bem alto seu ferrão escorpiônico e apontando o espinho mortífero para atingi-lo. Uma fração de segundos... Um salto preciso para o lado, num átimo, e o ferrão negro cravou-se no solo. A traiçoeira, mais que depressa, armou um bote para fulminar o filho de Deus, mas ele escapuliu espetacularmente, atravessando o véu de teias com um vigoroso impulso. Os humanos o esperavam. Os descendentes dos primeiros. O menino contou o que havia acontecido e descreveu vivamente como a guardiã do paraíso quase o matara e que as possibilidades de voltar ao jardim de delícias eram remotas. Assim que contou tudo, os humanos ficaram descontentes e revoltados com a sorte de vida que o menino lhes revelara. Foi a primeira vez que Ele morreu: Via Ignus! Nunca conseguiu ficar muito tempo na Terra. |