O
SÍNDICO
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Luís
Valise
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Era, rodrigueanamente, um idiota da objetividade. Com ele não tinha esse negócio de "te vejo lá pelas oito". Ou era oito, ou oito e cinco, ou oito e dez, alguma coisa definida. Os amigos tentavam terapias de choque: - Deixa de ser babaca!, Larga de ser cri-cri!, Desencana, cara, desencana! Inútil. Ele gostava das coisas na sua exclusiva exatidão. Desde sempre fora assim, e ninguém, nem Delores, a esposa, conseguira suavizar sua retidão. Pra início de conversa, ele a chamava de Delores, Dolores pro resto do mundo. Delores só pra ele e pro padrinho, um crítico de arte meio bichoso que tanto insistira (é sofisticado!) que os pais concordaram, já arrependidos pelo convite. Ela é quem mais penava com a goma das camisas, o vinco das calças, o pó sobre os móveis. Nada escapava ao olhar rascante do Raphael. Assim, com pê-agá. Santista doente, viúva do Pelé, na juventude evitavam chama-lo para um simples "vira seis, acaba doze", já que a cada falta lá ia ele contar os passos para a barreira, fazendo questão fechada de míseros centímetros. Um porre! As namoradas duravam pouco: qualquer atraso era motivo para que ele ficasse enviezado, olhar sem ardor, abraço sem beijo. No primeiro dia de quartel o sargento sentiu o drama. Raphael permaneceu todo o tempo de "peito pra fora, barriga pra dentro". Farda impoluta, limpava seu fuzil até que não restassem vestígios de uso. Seus tiros acertavam o miolo do alvo. Sentinela implacável, vigilância impávida. O pior exemplo pro resto da tropa, que o amaldiçoava às claras: Raphael, CDF do quartel! Amava seu trabalho de Auditor. Fiscalizava contas, planos, orçamentos. Não havia centavo que escapasse ao seu rigor. Nunca um "martelinho" na hora de fechar balanços. Nunca uma vista grossa pra garrafa de cerveja na nota de almoço. Um Torquemada! Um Leviatã! Pros colegas de escritório, um escroto. Levou a família à Disney. Muitas horas antes do vôo, já no aeroporto: melhor prevenir que remediar. No avião, nada de levantar: seguro morreu de velho. Lá chegando: bico calado, que o sotaque de vocês é péssimo. Lavava diariamente o carro alugado. Verificava óleo, água, pneus. Ligava para saber a taxa do dólar. Achou tudo um saco. Não fumava. Não bebia. Fazia exercícios com método. Enfartou aos cinqüenta. Fatal. Fulminante. Definitivo e, sem sombra de dúvidas, como ele gostava. No velório, o menino com a camisa do Corinthians, a menina com a do Palmeiras. Dolores fazia força pra não sorrir. |