TANTRA COISA...
Luciana Franzolin
 
 
- Contração dos esfíncteres. Quando soltarem o ar, pressionem o queixo contra o peito e contraiam os esfíncteres. Fiquem sem ar o máximo que puderem, mas sem perder o fôlego.

O Abel olhou a Iza, e prometeu a si mesmo que iria esganá-la tão logo se visse livre daquela aula de Tantra.

- Respirem profundamente, encham os pulmões erguendo a cabeça. Empurrem a ponta da língua no palato e segurem, depois soltem o ar e contraiam os esfíncteres novamente. - Sussurrava o mestre, que vestia uma minúscula sunga preta e tinha uma deusa indiana de quatro braços, com a língua de fora, tatuada nas costas.

A maioria dos casais já praticava há algum tempo. A Iza reclamava de ir sozinha, mas Abel só topou assistir porque ela falou que gozar depois de três horas era ejaculação precoce para os tântricos.

O máximo que ele conseguia era 45 minutos na primeira, e ainda se gabava disso. Eventualmente tinha sucesso nas posteriores, dependendo da parceira e da quantidade de amendoim ingerida. Com a Iza era difícil, quase não conseguia se controlar. Mal começava, já terminava.

- Vamos entoar alguns mantras! Começando pelo "Namah Kundaliní", para despertar a serpente adormecida. - O mestre alisou a barba grisalha e fez um "ran-ran", limpando a garganta.

Abel já não sentia mais as pernas, dobradas em posição de lótus. Um "Om Namah Shivaya" vibrava baixinho. O cheiro do incenso era quase alucinógeno. A Iza estava em transe.

- Juntem-se aos pares para iniciarmos a parte mais importante, o contato tântrico. Fiquem sentados de frente um ao outro. Enquanto um respira, o outro expira, sentindo a respiração bem próxima, alternando, por alguns minutos.

Ele comeu alho, Iza pensou, quebrando a meditação, mas sem abrir os olhos. Agora ela me paga, comemorou Abel, expelindo o ar energeticamente. E respirou o dela com cheiro de flor. Um leve torpor invadiu os dois.

- Sintam o corpo do outro como um todo, sem parar com a respiração. O segredo do Tantra é o caminho do vale. Desliguem-se dos órgãos sexuais. São movimentos sutis, quase imperceptíveis.

Aquelas palavras ainda não faziam sentido, o que Abel sentia agora era um esquentar no esfíncter, além do cheiro de flor da Iza, ou seria do incenso... as pernas, continuava a não sentir. O corpo todo formigava.

- A ejaculação é inimiga do prazer, basta ver como ficamos inúteis depois, cansados, ela só serve para a reprodução. O que nos diferencia do cachorro da esquina é retardá-la ao máximo, quando não, extinguí-la. E o prazer só aumenta. - o mestre sorria enigmaticamente.

Abel decidiu tentar, depois de sentir a Iza estremecer com um toque do mestre quatro dedos abaixo do seu umbigo. No "swadisthana chakra", ela contou depois.

Naquela noite, seguindo os conselhos dela, ele demorou uma hora e meia, foi uma vitória. Os dias se passaram e Abel se tornou um aluno aplicado, interessadíssimo na filosofia oriental do prazer. Se sentia poderoso, bonito, forte.

Depois de um ano já dominava todas as posições, toques, respirações, segredos que só eram revelados de boca a ouvido, seguindo a tradição milenar tântrica. Parou de visitar o mestre, estava pronto.

O tempo passou, e certa noite, depois de seis horas com a Iza, na maior tranqüilidade que requer a prática, estavam abraçados, quase imóveis quando ela falou:

- Quer saber de uma coisa Abel, acho que você não gosta mais de mim.

- Como assim Iza?

- Você não tem mais aquele tesão, quase não agüentava me ver sem roupa, e agora, fica aí nesta calmaria.

- Mas foi você que me ensinou a ser assim, não lembra, das aulas de Tantra, do mestre?

- Lembro, mas eu tenho saudades do seu jeito normal.

- Como normal, meu normal agora é este, uai! Tá reclamando? Não acredito. Quantas vezes você já chegou lá hoje?

- Umas dez, mas não é isso... queria que fosse um pouco mais animal, mais macho, mais selvagem...

- Ah sei, você queria que eu...

- É Abel, é isso... queria que você...

- Ejaculasse?

Ela sorriu e recebeu um beijo.

- É pra já meu amor, é pra já...

E ele dormiu como não dormira há muito tempo.

 
 
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