INCOMENSURÁVEL
LEVEZA DO SER
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Larissa
Schons
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.)
Ela amava Ari. Mas mesmo amando não podia admitir que o amava. Algo a sufocava.
Ela achava que amava tudo e todos. Mas sabia que amava poucos e quase. Na
verdade era difícil admitir que sentia medo. Não era o medo de um homem
ou das coisas. Era um medo de ser. Viver era ameaçador e ser ela mesma era
assustador. Era penoso ouvir de Ari "eu te amo do jeito que você é"
ou "eu gosto de você do seu jeito". Ela ficava muda nessas horas.
Não sabia o que responder. Ela não sabia quem era. E não compreendendo o
seu ser sabia que automaticamente iria perdê-lo. Era uma coisa inevitável.
E quando pensava nisso lembrava de sua mãe que dizia que nada era para sempre.
Isso dava uma sensação de vazio no seu íntimo. Se sentia oca por dentro.
Como se fosse uma madeira corroída por capim. Era só aparência. Uma aparência
leve e frágil.
Sentia que cada dia que passava estava perdendo o amor de Ari e a sua própria identidade. Olhava-se no espelho e enxergava um rosto pálido, olhos cor de mel, pele de porcelana, era linda. Incomensuravelmente linda. Mas era só aparência. Essa maldita aparência. Por dentro vivia um amarranhado de sentimentos tão confusos que mal podia desprendê-los. Tinha vontade de gritar aos quatro cantos que era um lago sem fundo. Ari poderia olhá-la, mas jamais conseguiria alcançar o seu interior. A profundidade era uma coisa insustentável. E seu íntimo estava tão escuro que ela sentia que qualquer um que entrasse de cabeça nas suas profundezas morreria. Por isso que ela só se permitia ou permitia os outros que só olhassem a sua margem e que nela refletisse a sua imagem. Ela sabia que era difícil para Ari ter uma mulher e não poder possuí-la por inteiro. No último encontro ele havia dito que não ia mais procurá-la. E não mais abraçá-la e beijá-la. Muito menos transariam. Disse que estava sendo muito penoso para ele conviver com uma pessoa que não trocava sensações. Que por mais carinho e sentimento que sentia não poderia continuar o relacionamento. Não estavam tendo um relacionamento a dois. Sozinho ele não podia fazer nada. Ele buscava uma companheira. Sabia que ela era tudo o que queria. Mas não podia ser o único a saber. Ela também tinha que estar ciente disso. Mas também não podia abrir-lhe os olhos. Isso tinha que ser uma conquista só dela. Ela ouvira calada. Não manifestou uma lágrima por fora. Mas por dentro era um emergir de lágrimas. Ele foi embora. E agora ela estava ali na porta da sacada olhando o céu e tentando compreender os seus sentimentos. Tentando entendê-la. Tentando calcular os seus eus. Tentando captar uma coragem que não vinha. Tentando buscar uma força escondida. Olhou para a lua. Era isso. Ela era como a lua. Tinha fases como a lua. Era os seus vários eus. Nova, crescente, cheia e minguante. E tinha, tinha medo do ciclo. Do ciclo da vida. E era por isso que ao passar da conjunção nova deixou-se viver somente na quadratura minguante e crescente, não conseguindo ultrapassar a oposição cheia. Não estava se permitindo completar o ciclo. Tinha medo que os outros a olhassem cheia. Sendo cheia estaria inteiramente vista e intensamente aberta para sentir a vida e amar e alcançar a alma e ser alcançada. Mas ela era como a lua. E hoje a lua estava cheia. E ela estava cheia. Cheia de descobertas reveladas. Tinha que contar a Ari. Tinha que dizer que havia conseguido desvendar-se. Encontrou-o na praia. No setor nove. O seu favorito. Disse que ele não precisava mais esperar. Que ela estava ali, inteira. Contou-lhe sobre a lua e toda a sua descoberta. E disse que estava disposta a completar o seu ciclo. Começando por hoje. Como a lua que começara o seu período cheio. Ela queria viver o máximo. Viver tudo. Trocar e receber sensações. Sensações estas tão temidas anteriormente. Ari olhou-a nos olhos e enxergou a sua verdadeira mulher. Ela era clara, brilhosa e linda como a lua. Como a lua cheia. Sua linda mulher, Lilith, que passara da inconsciência negra a brancura dos amores legítimos. E ele, o seu grande amor, era a sua outra face. Era nada mais que o sol. O seu Rei Sol que estava ali para guiá-la, amá-la, ampará-la e clarear os seus mais ávidos caminhos. .O |