PRESENTE
DE GREGO
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Larissa
Meo
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Não
é nem um pouco estranho para mim que nesta época do ano eu me pegue imaginando
que presente vou dar a fulano ou sicrano. Para os amigos... Tudo, e para
os inimigos... A Lei, dizia uma grande amiga. Como sou menos espartana nos
meus relacionamentos, prefiro lembrar da cara da pessoa e assim comprar
um mimo só para ela. Aprendi esta técnica com uma variada lista de bugigangas
que fui colecionando a cada nova festa até os 10 anos. Só então, cansada
de ganhar brincos de bijuteria que pareciam ter saído de uma maria-mole
de boteco, roupas esquisitas e santinhos de níquel eu disse para mim mesma:
chega! A partir daquele momento passei a jogar todos os presentes de grego
no lixo. Na verdade eu estava irritada com a falta de criatividade e mau
gosto das pessoas, pois sempre acreditei que quando se dá um presente a
alguém isso lhe poupa dizer: não é a sua cara? Por ironia do destino, na
mesma época, pude comprovar a minha teoria praticamente cara a cara.
Lembro-me como se fosse ontem. Era final de ano na escola e eu estava muito feliz porque havia tirado minha melhor amiga de amigo secreto. Dias antes da revelação ela passou a me esnobar e como eu era tímida e de pouca conversa fiquei literalmente a ver navios. Á noite, em casa, eu estava sozinha na copa pensando na vida e como ela estava sendo dura comigo. De repente, a minha frente eu vejo aquele bicho asqueroso e ensebado que toda mulher grita quando vê um. É verdade. Eu estava a sós com uma feia, nojenta e grotesca barata. Tudo bem era só um bicho cascudo. Eu ainda não havia lido Franz Kafka nem Clarice Lispector para ter idéia do dilema que uma barata, um inseto blatário, ou blatídeo, ou sei lá o nome dele, pode virar na vida da gente. Mesmo assim, não sei porque, aquela barata me fez lembrar alguém. Senti-me quase íntima. Foi aí que tive uma idéia e como sempre acontece quando se tem uma precisei agir rápido. Corri até a cozinha e esvaziei a caixa de palitos de fósforos. Aos poucos, e com muita habilidade, consegui convencer aquele inseto blatário que o melhor a fazer era entrar naquela caixa. Quando finalmente consegui prendê-la na caixa achei que a ocasião merecia uma comemoração. Como não podia estourar um champanhe com 10 anos de idade tive de me contentar em embrulhá-la no melhor papel de presente da minha mãe. Se Freud estivesse vivo ele certamente acharia minha mãe um desafio. Meticulosa ao extremo, mamãe mantinha uma invejável coleção de papéis de presente no armário do corredor. Só podíamos ter acesso a um deles em datas muito especiais como Natal, Dia das Crianças ou Aniversário. Escolhi para a ocasião o preferido dela, um com flores de girassóis bem grandes. Até hoje ela não sabe que o tal papel é que deu charme ao embrulho da barata. No dia seguinte, não sei por que, fui feliz da vida para a escola. Lá as coisas eram sempre as mesmas. As aulas de português, matemática e ciências me davam dor de barriga e eu rezava para que tudo terminasse logo. Pensando bem, acho que minha fé ganhou uma aura especial nesta época. Atenta a tudo, eu esperei pelo melhor momento para presentear Cristina com meu embrulho de Girassóis. No intervalo brincamos de queimada, lenço atrás e balança caixão, mas foi na hora da saída que a história se desenrolou. Com naturalidade cheguei até ela e disse que havia comprado uma lembrança para marcar o ano que passamos juntas. Entusiasmada ela pediu para ver. Fiz gênero de quem estava hesitante, já que faltava poucos dias para o ano terminar. No fim, é claro, concordei. Aos poucos ela foi desembrulhando a pequena caixa. Quando viu que a caixa era de fósforo, Cristina me olhou com ar de deboche e disse: - Você como sempre inventando. - Pois, é. Acho que é meu jeito. A caixinha é simples, mas o presente é de coração. Quando Cristina abriu a caixa a barata meio tonta pulou em cima dela, que era outra tonta. Fiquei impressionada com a resistência do bicho que não morreu, mesmo depois de tanta cola e do papel de girassol por cima. E enquanto Cristina gritava, eu só conseguia rir. - Que tipo de presente é esse que você dá a uma amiga? (ela perguntou gritando e chorando de raiva) - Do que você está reclamando? Este presente é personalizado, do tipo que tem a cara da pessoa. Vou fazer o que se você tem cara de barata? Ela saiu do pátio agindo como um bicho. Uma pessoa normal nunca mais olharia para a minha cara depois do mimo com o inseto blatário. Como Cristina não fazia parte deste time bastou dar a ela o último disco do Earth, Wind and Fire na reunião de amigo secreto e pronto. A paz estava selada entre nós. E todo final de ano é isso, eu me lembro da Cristina e da pobre barata. Pobre sim. Porque ter uma amiga com aquela cara chega a ser quase um insulto para o blatídeo. |