PRESÉPIO
Ivan Almeida
 
 
Muita gente. Às vezes alguém vem conversar. Responde laconicamente, finge ocupação. Lá nos arcos o espetáculo ainda não começou, mas daqui de onde a ambulância está parada, perto da viatura da PM, não dá para ver mesmo, então é só esperar o fim, e a multidão se dispersar cansada.

Alguém fala com o papa-mike. O meganha escuta. Enfia a cabeça pela janela do carro e diz qualquer coisa. Outra pessoa surge apressada, ao que parece insistindo na urgência. O rádio acorda:

- Zero, uno, meia, cinco, Central chamando...

- Na escuta, Central. Prossiga.

- Informe localização...

- Avenida Mem de Sá, junto aos Arcos, Central.

- Diga se enxerga a viatura papa-mike 2.3.2.4.....

- Positivo, Central. Viatura a vinte metros daqui.

- O plantonista deve fazer contato com o cabo Jorge,V Batalhão. Diga se copiado..

- Copiado e procedendo.

 A viatura PM liga o giroscópio movimentando-se. O paramédico entra apressado na ambulância.

- Atrás deles! É ali, na Rua dos Arcos, ao lado da Fundição...

A multidão se afasta lentamente, e eles seguem o carro da PM. Ainda ouve o início do Auto de Natal. Pensa, divertido, que não conseguiria vê-lo mesmo. Já era o segundo ano que tirava plantão ali, e nada via.

Duzentos metros adiante, no terreno baldio, pessoas agitadas. Param. O cabo as afasta, abrindo caminho para entrar com a ambulância. O plantonista desce correndo.

As luzes de emergência iluminam a cena. Um casal. A mulher parindo, rosto aflito, acalmada pelo cabo que segura sua mão enquanto o paramédico age. O homem, impotente, assiste, balbuciando frases incompletas. Um menino chora ensangüentado, e, por instantes tempo, antes de embarca-los na ambulância, vê a cena completa.

Saíram, sirenes ligadas. No hospital fizeram uma vaquinha e deram ao homem, sotaque nordestino, quarenta reais.

Dirigiu de volta aos Arcos. Havia visto o Auto de Natal desta vez.

 
 
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