OS SEGREDOS DA VOVÓ BIM LATEM
Fernando Zocca
 
 
Capítulo I

A volatilização das seivas bombardeadas pelos fótons, naquele final de semana, propiciava em suas narinas os aromas benignos e agradáveis. A sensação de prazer era quebrada somente pelas lufadas de fumaça diesel lançadas por caminhões apressados que a ultrapassavam.

Ela estava agressiva naqueles dias. Seu humor negro e deprimente causava nos circundantes um mal estar indisfarçável e preocupante.

Seu marido a compreendia e poderia colocar tais sintomas nas contas das tensões pré-menstruais. Apesar de já ter superado o limite do tempo em que os óvulos não fecundados deixavam o útero pelo sangramento, o tratamento com hormônios sexuais voltava-a aos tempos em que se considerava uma balzaquiana.

Estava preocupada com os tormentos que seus sobrinhos vinham sofrendo, provocados por um ceifador de liberdades musicais. Por isso e mais ainda pelo fato de que, o governo descontaria naquele mês os salários de todos os funcionários que se meteram em greves, achou que deveria colocar em ação o plano secreto "a caminho do céu".

Por meio de mensagens pelo rádio amador e PX que tinha em um cômodo de sua mansão, alertou todos os demais integrantes da sua seita. Inclusive a ramificação chefiada pelo temível doutor Val estaria ligada e a disposição para a consecução dos objetivos.

A exemplo da operação "tempestade no deserto" levada a cabo pelos Norte Americanos e as forças coligadas de mais 28 países, na guerra do Golfo, quando em 27 de fevereiro obtiveram a rendição de Bagdá, ela queria com ataques "cirúrgicos", a derrocada dos opressores ceifadores da musicalidade ressurgente.

Por isso com os sinais de radio convocou toda a seleta diretoria da seita lutadora. Naquela noite concluíram que a utilização de "homens bomba" seria a solução definitiva para aquele mal degenerativo.

Capitulo II

Naquela noite Marcão estava no boteco queixando-se da sorte. Não notou quando uma pessoa aproximou-se e lhe ofereceu outro copo de bebida.

Marcão aceitou prontamente em razão de que o nível baixo do álcool no seu corpo dava-lhe a sensação de estar ficando sóbrio novamente. E tal fato era-lhe extremamente desconfortável.

Um copo americano de pinga pura antecedeu a ingesta da cervejinha deliciosamente gelada.

O papo estava enrolado, quando Marcão ouviu o estranho contando parábolas que significavam mais ou menos isso:

- Lá naquele mundo mágico existem mulheres especiais, virgens puras e seletas, dignas dos deuses. Lá existe fartura. O sofrimento cessa quando se passa da porta para dentro.

Marcão, ressabiado a princípio, foi deixando-se levar pela lengalenga do amigo recém conhecido, que prosseguia na conversa:

- Não existem doenças naquele local santo. Não existe fome. Não há discórdia. Os que ali vivem nunca brigam entre si e a paz é eterna.

Em um dado momento pareceu a Marcão que o solo era-lhe subtraído. O balcão começou a rodopiar. As pessoas que diziam coisas ininteligíveis sumiram de seu campo de visão e faltou-lhe o ar. Caiu desmaiado. Em coma alcoólico babava no chão da espelunca.

Pelo telefone celular o estranho falou alguma coisa, chamando alguém. O proprietário do bar quis fazer algo, mas foi detido pelo homem que desligava o seu telefone.

Depois de mais ou menos cinco minutos encostou defronte a porta lateral do barzinho, uma Van preta de cujo interior saiu um enorme homem cujo corpo malhado indicava o consumo de anabolizantes.

Os dois juntos carregaram Marcão, que foi levado sem que os demais presentes sequer notassem ou dessem atenção àquela movimentação inusitada.

Deitado numa posição adredemente planejada, os homens levaram o ébrio até a entrada daquele "rendevouz", que ficava numa avenida sem movimento de um bairro fino e elegante, na redondeza da cidade limpa.

A proprietária quando percebeu que eram os afilhados da vovó Bim Latem que chegavam, estalou os dedos, fazendo correr mais cinco moças jovens e lindas para um quarto.

Carregado pelos braços musculosos do atleta puxador de ferros, Marcão sentiu o cheiro de perfumes excitantes que exalavam daquele ambiente semi-iluminado por luzes vermelhas. Os sons que saiam não se sabia de onde, lhe causavam uma sensação estranha e esquisita.

Ao adentrar o quarto, as moças receberam-no com alegria e bastante respeito. Foi beijado, acarinhado, fizeram-lhe massagens e deram-lhe de beber o mais puro uísque importado. Atônito ele pensava que estava no céu. Aí então um ancião de barbas brancas e voz grave começou a discursar de forma suave e amorosa.

Ele dizia:

Meu querido irmãozinho estás aqui porque foste escolhido dentre milhares de seres. Serás levado a uma missão especial e por ela receberás como paga e recompensa as delícias do amor dessas virgens...

Enquanto a ladainha prosseguia, as mulheres queimavam incensos, iluminavam-no com lâmpadas de variadas cores, apertavam suas bochechas, colocavam alimento na sua boca, e cantavam músicas que eram moda naqueles dias.

Tudo lhe ocorria de forma prazerosa até que depois de um gole de caninha, apagou de vez.

Somente recobrou a consciência quando foi acordado por um cão que lhe lambia a boca. Notou o guarda que maneava a cabeça ao vê-lo deitado no banco da praça, quase dormindo.

Não conseguiu contar para ninguém o que havia ocorrido sem que o considerasse um louco completamente intoxicado.

No dia seguinte, no mesmo bar, quando já bebia o seu quinto copo de pinga, aquele estranho apareceu-lhe novamente.

Marcão achou que se contasse aquilo que parecia um sonho, a exemplo dos demais, seria taxado de maluco. Mas o homem confortou-lhe dizendo que realmente tudo o que lhe ocorrera era possível, mas somente para pessoas especiais como ele.

Marcão entusiasmou-se e quis saber como poderia repetir aquela façanha novamente.

O estranho, pedindo-lhe licença por alguns minutos, foi até o seu carro e de volta apresentou-lhe uma mochila. Segundo dizia tinha mais ou menos cinqüenta quilos de substância que o levaria novamente ao encontro das musas e virgens. Mas para que isso ocorresse ele deveria observar umas regrinhas. Uma delas era de não abrir a sacola, antes dos avisos que receberia. Outra era de que não deveria juntar os dois pólos dos fios que saiam de cada lado da mochila, que deveria carregar de agora em diante nas suas costas.

Trato feito e aceito, Marcão, para a zombaria dos colegas de copo, passou a perambular nas ruas do seu bairro com aquela mochila preta e sinistra.

Sons da música celestial que vinham dos carros que por ele passavam, lembrava-no daqueles momentos deliciosos em que vivera na companhia das ninfetas virgens. Seus passos eram guiados pelos odores que sentia e que o remetiam aos braços e beijos daquelas que poderiam ser suas esposas.

Capítulo III

Dentro do seu carro importado, a vovó Bim Latem observava o andamento do seu homem pelas ruas do bairro. Escondida pelo véu negro da película grudada nos vidros do automóvel, calculava o momento exato em que o moço pediria um copo d'água na casa do opressor e destruidor das vocações musicais alheias.

Pelo rádio ela controlava e dirigia os demais membros da seita que passavam pelo míssil humano. Teleguiando-o com os sinais, da mesma forma que nos séculos passados, os generais guiavam suas tropas pelos sons e bandeirolas, a generala sentiu que o momento crucial estava chegando.

Marcão achou que deveria pedir água naquela casa da qual vinha um cheirinho bom de incenso. Parou e bateu palmas. A mulher apareceu na janela e ele solicitou a bebida.

Quando a velhinha se aproximou, um comichão inexplicável levou-o a pegar naqueles dois fios, que pendurados ao lado da mochila, não tinham permissão para serem tocados.

Mas no exato momento em que suas mãos levavam à conexão daquelas pontas, sentiu uma dor terrível no abdome. Uma diarréia poderosa e avassaladora fez com que ele saísse correndo para o meio da rua.

Notando que passaria o maior vexame se borrasse as calças, livrou-se do incômodo que trazia nas costas e correu com as coxas constritas.

A velha vovó maneando a cabeça, ante ao fracasso do seu homem bomba, chamou pelo rádio o treinador responsável.

Os transeuntes que passavam ao lado daquele carro importado puderam ouvir assustados a iracúndia da senhora velha que gritava e rugia contra alguém que ninguém poderia jamais saber quem era.

 
 
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