O
CAMINHO DE UMA LÁGRIMA
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Alberto
Carmo
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Que
caminhos, que encruzilhadas tem uma lágrima ao rolar rosto abaixo? Seja
num choro de compulsão, seja na emoção tênue do fio de seda, ou combinada
com um sorriso vazado.
A ciência nos ensina que todos temos a bolsa lacrimal; e a temos sempre cheia, ao que parece. Sempre pronta para jorrar pelas ribanceiras do ladrão, e nos roubar o silêncio da tristeza, ou da alegria. Choramos todos - uns mais apoteoticamente, outros a engolir as suas pelo globo ocular, mas as chorando em cachoeiras interiores. Se ao nascermos ela nos traz à vida mediante preciso tapa cirúrgico, dela abusamos em tempos pueris, a abonar traquinagens. É choro de sono, de birra, de peraltice, de colo. Banha-nos a lágrima as primeiras espinhas no rosto revoltado do adolescente impetuoso, da menina que vira moça e se transforma numa flor de sensações. Toca-nos ao tocarmos a face aveludada da doce namorada; cinge-nos os olhos que nascem ao primeiro amor que encontramos na vida - tão longa ainda a percorrer. E nos vai acompanhando os passos incertos, como sombra de vários sóis indecisos, a lutar por nos iluminar a jornada. Às vezes nos é tão invasora, que nos trai a confiança em nervos e músculos; noutras nos é tão necessária, que olhamos aflitos as nuvens, como a implorar uma gota que nos acalme o ferimento interno. Vezes há em que nos brindam generosas, impedindo que nos falhe a expressão do coração. São lágrimas benignas, como a gota de orvalho que acalma o pássaro sedento na concha perfumada da flor. E nos surge às vezes inesperada, em meio a uma melodia cósmica, uma cena de impertinente enlevo, emprestada dos olhos de alguma criança. Leva-nos ao casamento altarneiro, ao sepulcro angustiante, ao torpor dos sentidos, às festas embriagantes; traz-nos o medo amordaçado, as filigranas do êxtase. Se nos faltam as perversas lágrimas, logo escorregamos pelas vielas do rancor, da suprema ignorância, refém que somos de nosso passado. Se nos vêm caudalosas, podam-nos a animosidade, erguendo-nos aos píncaros do futuro promissor. Dela nos servimos, como de nós se serve essa pérola feiticeira. E quando madura, como vinho adormecido em tonéis de nossa experiência lenta e teimosa, testa-nos as mais preciosas conquistas. Provoca-nos a ira insana diante de mundos revirados ao avesso. Ilude-nos com alegorias forjadas em falsos teatros. Ofusca-nos a razão mediante prendas ilusórias, como num choro de sarcástico rei, fartando-se de coloridos manjares, a tingir-lhe as unhas com obscuro corante. Joga-nos em longos labirintos, balançando-nos ora em gangorra, ora em sensações sísmicas, entre a compreensão mansa e a irreverência enlouquecida de buscar justiça com nossas mãos estridentes e escandalosas. Mas perene, paciente, aguarda-nos o sono, quando então nos vem embalar as esperanças, como serena professora, a sorrir da indisciplina inocente dos aprendizes, que ignoram a chamada e teimam em permanecer no inconseqüente recreio. |