ÚLTIMA
VEZ
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Maurício
Cintrão
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Era
a última vez, havia de ser. Não suportava mais a vida dupla que vinha levando,
entre sua casa e o apartamento dela. Uma menina, como pode ser? Uma menina
linda, carinhosa, sorridente e atrevida. Jamais imaginara que pudesse se
envolver com ela. Mas hoje acabaria, tinha que acabar. Tocou a campainha
do apartamento e esperou.
Tudo começou por acidente. Os dias iam carregados naqueles tempos. O casamento estava balançando. Era cada vez mais sufocante, previsível, chato. Sexo virara uma rotina quase insuportável. O escritório era uma prisão. E a falta de projetos pessoais tornava ainda mais indigesto o dia-a-dia. Cláudia abriu a porta com aquele seu sorriso radiante e foi logo falando, aos gritos. - Você nem imagina o que me aconteceu! E nem esperou a resposta para seguir falando. - Ligaram da Universidade. Meu currículo foi aprovado e eu estou sendo chamada para as entrevistas. Acho que o emprego é meu! Pulou em seu pescoço e sem dar tempo para nada, tomou seus lábios com a boca molhada de felicidade em um beijo guloso, brincalhão e cheio de vontade. E chorou. Chorou aquele choro infantil das grandes conquistas realizadas. Estava alegre como uma menina. Olhar aquele rosto tão querido, em lágrimas, fez com que lembrasse que foi justamente uma crise de choro que despertara aquela ternura. Fora um choro de tristeza, porém. A amiga rompera com o namorado. Um homem fútil, arrogante e pretensioso que fazia e desfazia daquela menina linda como se fosse um animalzinho de estimação. Não suportara a dor e explodira em prantos no meio da sala de trabalho. O ombro amigo, as palavras carinhosas e o apoio na hora decisiva foram as chaves para abrir as suas intimidades. A colega contara as barbaridades cometidas pelo ex, um sujeito cruel e às vezes violento. Como pudera suportar tanto tempo ao lado dele? Era amor, dizia chorando, amor de loucura, de dependência total. - Comprei uma champanhe francesa para comemorar com você, disse ela, limpando as lágrimas felizes do rosto. Amanhã faço 28 anos e quero amanhecer morta de amor ao seu lado. Como falar de finais diante de tanta alegria? Tentou esboçar um começo de conversa, mas ela não deixava. Agitava-se de um lado ao outro, falando alto, rindo, voltando para dar um beijo, acelerada, não cabendo em si. - Preparei vários canapés do jeito que você gosta. Hoje é nossa noite de alegria e quero dividir essa sensação maravilhosa com você, na sala, na cama, no banho. Nas semanas seguintes ao fim do namoro da amiga, passaram a se acompanhar na hora do almoço. Iam no mesmo carro às festinhas de fim de expediente nos botecos mais próximos à empresa. Seu trabalho ganhou estímulo especial, porque permitia ficarem lado a lado, entre sorrisos e códigos discretos. Passaram a freqüentar barezinhos. Paqueraram em par, flertaram estranhas figuras e divertiram-se como há muito não acontecia. Entregou as taças e passou a brigar com arames e selos para abrir a garrafa. Um jorro da bebida molhou seus corpos ainda vestidos e os risos relaxaram todas as defesas. Ela pousou a champanhe na mesa de centro e avançou para lamber a pele molhada, rindo maliciosamente, como era seu jeito, adorável, lasciva e brincalhona. Foi com muito esforço que conseguiu segurar sua cabeça com as duas mãos e trazer o rosto dela para o alcance dos seus olhos. Olhou firme e falou: - Eu preciso falar uma coisa. Mas o sorriso daquele olhar era hipnotizante. Eram olhos mágicos. Não conseguia resistir. Ainda tentou dar seqüência ao assunto, mas cedeu. Seus lábios se tocaram com tanto carinho que as palavras se perderam em salivas. A pele lisa, de mulher bem cuidada, o perfume de morango do xampu predileto, o sabor delicadamente salgado de sua nuca, suas orelhinhas meigas e tão queridas, as mãos, os dedos, a falta de cerimônia, a falta de vergonha. Amaram-se em silêncio durante horas, ali, no carpete, não se importando com mais nada. Tomaram-se como se não houvessem experimentado tudo o que fizeram durante aqueles meses. E variações impensadas de carinhos surgiam do nada, da criatividade de um par de corpos que se transformava em um só corpo. Nunca houve a conversa. Nunca mais pensou na separação ou falou de suas intenções naquela noite. Já não trabalham no mesmo lugar, moram em casas diferentes e têm vidas independentes. Mas o seu prazer é um só. Quando estão se amando, Cláudia e Eliana formam uma única e grande mulher. |