LIGAÇÃO PERIGOSA
Luisa Jardim
 
 
O barraco de madeira tinha 3 x 4m e ficava espremido entre dois outros. Suas paredes eram feitas de pedaços de tábuas, que o filho mais velho conseguira fazendo uns "bicos" na marcenaria do Seu Orestes, num bairro próximo à favela. Em alguns lugares era possível ver as emendas reforçadas com pedaços de caixotes de frutas, recolhidos no CEASA.

Naquele quadrilátero ficavam a cama do casal, um beliche (onde dormiam as três crianças), fogão, geladeira (uma velha GE herdada de uma tia), um armário de cozinha, uma mesa quadrada e quatro banquetas

Num canto, uma cortina de plástico, pendurada em uma cordinha de nylon escondia o cano que fazia as vezes de guarda-roupa e a cômoda, feita de caixas de papelão colocadas umas sobre as outras (Aparecida tinha visto em uma velha revista Casa Claudia, que o filho trouxera para casa, um closet que tinha os nichos de madeira abertos, mostrando as roupas dobradas). No cano estavam pendurados os dois melhores vestidos de Aparecida, uma camisa e duas calças jeans de Nivaldo e dois vestidinhos da menina. As roupas dos dois meninos ficavam dobradas na cômoda improvisada.

A porta de trás (da "cozinha") dava para um pedaço de terra de dois metros de largura, que acabava num barranco por onde corria um fio de água poluída. No "quintal", Aparecida tinha um tanque (também sobra de uma reforma na casa de um parente), naturalmente sem água encanada, mas que facilitava para lavar as roupas da família. Alí também ela mantinha dois velhos baldes onde plantava cebolinha e salsa.

O apertado orçamento doméstico (um salário mínimo que Aparecida ganhava cozinhando para um casal de velhos e outro tanto que Nivaldo recebia como empregado da Cia. Urbana de Limpeza Pública), mal dava para a comida e não lhes permitia ter energia elétrica na casa. Durante muito tempo, usaram velas e um lampião.

Entretanto, há cerca de um mês, Nivaldo finalmente convencera Aparecida a deixá-lo fazer um "gato", isto é, uma ligação clandestina, puxando um fio do vizinho da frente, cuja porta ficava há mais ou menos sete metros do barraco deles. O vizinho, que já dividia seu ponto de luz com mais dois barracos, ia cobrar somente uma pequena taxa.

Ela não queria, tinha medo da multa que viria se fossem descobertos, do perigo de fazer uma ligação caseira (ele não entendia nada de eletricidade), mas, pensando em como seria melhor para os meninos estudarem com luz elétrica, permitiu.

Só que essa felicidade durou pouco. A sobrecarga na rede (um mesmo ponto alimentando 4 barracos) ou um fio mal encapado em um dos pontos, provocou um curto circuito. Naquele ambiente de tanto material inflamável muito perto um do outro, o fogo propagou-se muito rapidamente. Quando os bombeiros chegaram, quase nada mais havia a fazer, no lugar da favela, só uma grande clareira de material queimado.

Felizmente, naquela hora as crianças menores estavam na creche, o mais velho na escola e os pais trabalhando. Outros vizinhos não tiveram a mesma sorte, houve vítimas.

Chamados às pressas, Nivaldo e Aparecida se encontraram em frente aos escombros de sua casa. Mudo, ele nem teve o que responder à acusação dela: "Eu lhe disse, eu lhe disse que essa era uma ligação perigosa! Mas você não me ouviu!".

 
 
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