"Agora, pouco após o início da madrugada, um bando mascarado, armado, invadiu a ABL. Roubaram, os safados, uma vogal do nosso abc pátrio!!! Na nota oficial divulgada à mídia, a ABL clama à população calma, prontidão, não sair da sua casa, não ir à rua. Continua a carta cobrando um rígido, rápido trabalho da Polícia Civil na caça aos larápios da nossa vogal tão utilizada. Finda a carta com uma dica. Diz a ABL: por hora, usar muita vírgula. Voltamos com mais notícias no próximo programa".

João, atônito, discou para a Juçara, às tantas. Juçara, apavorada, voz chorosa, irritada, não cria:

"Viu só, João, roubaram a nossa vogal! Canalhas! Minha Coca-Cola ficou amarga, droga."

"Igual a minha!!! Mas como vais, Juçara?"

"Oras... calcinha, sutiã, batom, sombra, lápis, saia no início da coxa, blusinha com bolinhas brancas, tiara, brincos, parfum. A jóia habitual, lindo da minha vida... Tu?"

"Igual. Ops, igual não, lógico. Há pouco caí da cama, só podia ficar nu, Juçara. Sacas?"

"Saco."

"Balançando pra lá, pra cá, coçadinha ora dum lado, ora do outro, assim vamos... Ops, saco nada: roubaram a nossa vogal, Juçara, sacas a aflição toda??? Droga. Não dá para..."

"Como?"

"Nada, fugiu a palavra."

Um quarto duma hora passa rápido. A TV continua ligada, nada do jornalista das más notícias. Juçara não suporta mais. João acalma a Juçara da sua vida com palavras graciosas. Diz:

"Improvisar nada custa, Juçara. Ouça: bichos, vá lá: macaco-aranha, macaco-lobo, macaco-patrona, jibóia, tubarão, girafa... viu? Flor? Lá vai: margarida, hummm... girassol, hummm... girassol-do-campo, girassol-do-mato... outras coisas? Corroborativos, corroborar, corrigir, coligir, lubrificar (boa, não?), gargajola..."

"Gargajola? Mas há isso na nossa língua?"

"Claro! Rapagão, rapaz alto, como o jornalista lá da TV: gargajola."

"Ah, aliviada, João, aliviada agora com o dicionário falado por ti. Obrigada, João. Nunca passou na minha cuca tal situação: tocar a vida com uma vogal faltando! Fácil, muito fácil, não João?"

"Elementar, Juçara esbelta..."

"Eta, João meu mestre..."

(suspiros)

João e Juçara, perdidos em divagações estéreis, não perceberam quando o repórter voltou à televisão para relatar como a Polícia Civil brasileira havia capturado os safados que haviam entrado pelo telhado da sede da ABL e roubado a vogal "e" dos acadêmicos. Um dos bandidos declarou: "Foi tudo armado com um dos confrades. Ele me ligou, o nome dele é..."