PROFISSÃO
DE RISCO
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Beto
Muniz
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- PARTE INICIAL - Por obra e graça do ofício, me vi obrigado a visitar um evento erótico que terminou a pouco, aqui em São Paulo. Fui em busca de material para uma crônica. Sempre quis escrever algo que pudesse chamar a atenção das senhoras católicas de Santana. Não que eu queira criar laços afetivos ou comerciais com esse grupo, mas eu penso que não existe marketing melhor para um escriba amador, que a ira dessas beatas. Porém, não será dessa vez que vou me destacar na mídia as custas delas, pois as situações que vivenciei nesse evento paulistano estão mais para comédia, que para qualquer outro tema ofensivo a moral e aos bons costumes pregados em Santana. Verdade seja dita, acabei de chegar e ainda não sei como vou narrar essa minha experiência e quem sabe se até o final desse texto eu não consiga atrair a atenção do grupo acima? Antes de narrar minha odisséia, devo reconhecer que o evento foi muito bem organizado. A segurança era algo, digamos assim, cinematográfico. Vários homens de preto exibindo rádios de comunicação e poses de atleta guardavam as entradas. No entanto, apesar do aparato sisudo, minha recepção no local ficou por conta de um Homo Sapiens, de sexo indefinido, que arrastava um pênis de pelúcia vermelha, como se fosse um cãozinho. Em princípio a criatura parecia ser mulher, mas ao se aproximar, arrastando seu brinquedo erótico com pretensões de poodle, ficava claro ser um homem. Se bem que também não poderia ser considerado homem... Retomando o assunto, não cheguei a ser, diretamente, recepcionado pela espalhafatosa criatura, mas recebi um aceno escandaloso a distância, visto que a atenção da criatura estava voltada para uma dupla de visitantes. A dupla pediu para ser fotografada ao lado da figura e seu totó, porém, na construção da pose mudaram de idéia. A abrupta desistência causou um estardalhaço no salão de exposição. Era o homo sapiens gargalhando e provocando a dupla masculina: - Pode pegar, abraçar, beijar... Pega benhê! Com a voz alterada apalpava as tetas de silicone oferecendo aos incautos fotógrafos. O escândalo bem humorado contagiou o público chegante, que passou a se divertir com o constrangimento dos rapazes. Não fiquei para testemunhar o final dessa divertida degradação. Disfarce e, exibindo um riso discreto, iniciei o passeio por entre os vários estandes de vendas dispostos sobre um carpete vermelho. Basicamente todos vendiam os mesmos produtos: Pintos e bocetas fluorescente, seios e bundas com aquecimento, camisinha musical, roupas e apetrechos diversos. Até livros encontrei. O mais estranho foi um estande de pinturas abstratas. Nenhuma conotação erótica nas obras expostas. Ou eu não usei a imaginação ou o artista estava ali por engano. Vou ser sincero, se não fosse pelos objetos exageradamente vermelhos, a tão propagada feira pareceria um evento qualquer... Minto, o grande diferencial ficava por conta dos atendentes. Na maioria dos estandes grupos de garotas seminuas ofereciam seus produtos e atributos aos olhos curiosos dos marmanjos. Na outra minoria, rapazes jogavam vestígios de charme sobre o público feminino, que era maioria. Onde tinha aglomeração, provavelmente tivesse também um rapaz como ilha. Afastei-me de uma dessas aglomerações e parei diante de uma vitrine que exibia uma bunda de silicone com aquecedor interno. O preço? Meu salário! E eu ganho relativamente bem. Ao lado da bunda, caríssima, um rapaz musculoso vestindo uma minúscula sunga branca, demonstrava os poderes afrodisíacos do creme de massagem para a senhora com óculos fundos de garrafa. Um ombro dela era besuntado com malícia e agilidade pelas mãos hábeis do fulano, enquanto que o outro era seguro por um sujeito barrigudinho e assustado. Esse, o assustado, ela trouxera de casa, mas se pudesse não levava de volta - foi o que me pareceu! Enquanto ela se deliciava, várias visitantes trocavam eufóricos cochichos, esperando a vez de serem massageadas pelo musculoso. Senhoras, mocinhas, casadas, solteiras, desquitadas, viúvas, atentas aos movimentos, a sunga e aos produtos, pediam para tocar no corpo sarado do rapaz e se deliciavam com o consentimento. Uma idosa, que na rotina do dia a dia devia posar de vovozinha tradicional, exagerou: - Posso por a mão? - Pode... - ... !?! Não se fez de rogada. Atacou a sunga do modelo e grudou suas partes íntimas. O segurança foi acionado e a senhora conduzida à outra ala. Se conseguiram baixar a pressão da sexagenária tarada eu não sei, a minha atenção já estava voltada para um grupo de gordinhas que apalpava tudo e todos. Apalparam até um visitante que se distraíra e, após ser bolinado, ficou mais distraído ainda. Talvez principiou a sonhar com uma delas vestindo a lingerie exposta na vitrine. Elas, desatentas à imaginação do moço, partiram em gorda algazarra para cima do rapaz de sunga branca, o musculoso, que mesmo sob ataque pesado não perdeu a pose e besuntou a todas com seu creme afrodisíaco. Profissional. Tanto quanto a senhora seriíssima, que iniciava demonstração de como utilizar o boneco inflável. Arrancou gargalhadas do público quando sentou sobre o membro de borracha e acariciou o tórax de plástico. Ela permaneceu séria, profissional, foi até o final. Da demonstração! Como não me interessava aprender a manipular o boneco, abandonei as explicações finais e continuei a caminhada. Parei no estande que oferecia roupas de couro, só couro. Entrei ao mesmo tempo em que o rapaz comentou com a namorada: - Que tal transar com um pedaço de vaca entre nós? - Deixe de ser bobo, nós viemos só olhar... - Estou olhando e imaginando! Ela ajeitou a blusa e grudou no braço dele. Quase assustada. Pareceu-me que viera à feira para agradar o moço e ele para pesquisar possibilidades. Lembrei que meu objetivo também era pesquisar assunto para uma crônica e concentrei atenção em busca de inspirações eróticas. Andei por mais de hora sem alcançar êxito. Acabei saindo da ala de exposições e vendas em direção ao parque erótico. Parque é só modo de dizer, porque na prática eram vários eventos fechados dentro do pavilhão de exposição. Se até então os tipos e produtos pesquisados dariam assunto para uma crônica exclusivamente cômica, no parque eu encontraria temas mais eróticos... Pelo menos era o que eu esperava, ainda pensando em atrair a atenção das senhoras de Santana. - PARTE INTERMEDIÁRIA - O parque era um mundo à parte. Cada atração pretendia realizar uma fantasia erótica do visitante. Cada atração um custo! Tinha lá uma sala escura com o nome de Túnel dos Contatos Eróticos. Também um Salão das Sensações, um tal Castelo dos Fetiches e ainda um palco para show erótico, strip-tease e assemelhados. Esse último era entrada franca. Comprei três ingressos e escolhi o Castelo dos Fetiches para iniciar minha pesquisa estritamente profissional. Na fila de entrada, uma mocinha aguardava a vez se enroscando no pescoço dum rapaz de aparência patética. Entramos juntos no castelo. Eu e o casalzinho. Sou obrigado a admitir: A mocinha me deu tesão... Ela era bonita, vestia uma mini-blusa que deixava dois terços de suas costas a mostra. Os seios de tamanho médio para grande eram seguros pelo minúsculo pedaço de pano, o decote descia até o nó feito acima do umbigo. Abaixo do umbigo um pano de tamanho incrivelmente mini servia como saia. As coxas eram bonitas e enquanto caminhava a moça rebolava, quase exagerando... O Castelo era composto por seis cômodos distintos. No primeiro quarto que entrei, tropecei numa cama vermelha (porque tanto vermelho?) e sobre ela duas garotas interagiam. Foi fácil entender a proposta: A velha fantasia masculina de transar com duas, ou mais, garotas ao mesmo tempo. Metade dos homens quer realizar essa fantasia, a outra metade já realizou. Eu gostei da apresentação, principalmente quando a morena abocanhou a vulva da parceira. O interessante era a sensibilidade do clitóris da loira abocanhada. Ela corcoveava debaixo da companheira como se estivesse sentindo o prazer mais arrebatador desse mundo. E a boca da morena acompanhava os movimentos dos quadris brancos, não deixando escapar um milímetro sequer aquele chumaço loiro. Eram bonitas, as moças. A que abocanhava vestia apenas um tapa sexo com um pompom vermelho. A bunda se movimentava ao sabor do corcovear da loira totalmente nua e o pompomzinho ia e voltava como se fosse o rabo de algum coelho bailarino. Achei mais excitante o vermelho sobre a pele morena traçando elipses no ar, que os gemidos exagerados da moça abocanhada. Eu ficaria horas ali, exercitando minha visão (não podia pegar) e traçando elipses lúdicas com os olhos. Mas o show ganhou outra coadjuvante e o pompom foi esquecido. Lembra do casalzinho? A loira abocanhada se ofereceu num convite mudo a mocinha, que aceitou sentando na cama vermelha. Suas mãos pegaram os seios da loira como só uma mulher saberia pegar. Sentindo que agradava ela não se negou o prazer, ofereceu o corpo para a atriz-e-modelo enquanto eu e seu companheiro nos deliciávamos. Estáticos. Não nos permitiram interagir na brincadeira e segundos depois me empurraram rumo ao segundo fetiche enquanto retiravam a visitante. Quase descomposta. No segundo ambiente encontrei, por detrás de um vidro, um mulato e uma loira besuntados em óleo de amêndoas. Esses podiam ser tocados. Enfiei os braços na pequena abertura e conferi o material. Gordinha a moça. No rapaz passei batido, ou melhor, nem passei. Não me apetece. A mocinha visitante não se fez de rogada, partiu para cima do besuntado. Avançou sunga adentro enchendo as mãos de carne crioula. Ao lado, seu companheiro bolinava a loira. Fiquei incomodado por ter bolinado a gordinha. Na hora a sensação de suor e gordura nas mãos me fez recuar, mas agora que estou livre dos olhos da gordinha, e as imagens na minha memória são vestígios do que aconteceu, posso pensar melhor sobre o festival de sensações que me possuíram naquele momento. Foi um misto de asco, pena e vergonha. A moça por detrás do vidro percebeu que não senti prazer ao tocá-la. Seu rosto permaneceu altivo, inalterado diante do visitante que não desejava suas formas. Seus olhos, no entanto, deixaram fugir um resquício de tristeza. Num átimo de segundo fiquei encabulado diante do flagra. Pensei em voltar atrás e explorar aquele corpo que se oferecia às mãos ávidas de homens que pagaram para boliná-lo. Um sentimento de respeito pela mulher dentro do corpo, dentro do vidro, impediu que eu tornasse a colocar os braços na pequena abertura e tocasse aquela massa gordurosa coberta de pele e pelos besuntados. Também pensei ter recuado mais um passo, mas permaneci estático e desmontado diante da garota de programa. Algo no meu rosto mandava a mensagem que não valeu a pena eu ter gastado meu dinheiro nas dobras do seu corpo. Eu a vi como atração circense num espetáculo bizarro de conotações sexuais e me senti o pedaço mais próximo da platéia. Queria que o chão se abrisse e ela desaparecesse de diante de mim, mas senti a madeira do piso firme debaixo dos meus pés. O mesmo chão que ela pisava. Saí do torpor com a impressão que já havia se passado um século desde que eu desprezara o corpo amanteigado. Nem dez segundos se dera. Em mais dois segundos de pasmaceira desconcertante, pensei em pedir desculpas por não desejá-la. Não pedi. Pensei em sorrir-lhe como quem demonstra um sentimento simpático qualquer. Também não o fiz. Pensei em olhar novamente seus olhos e encontrar ali um perdão mudo por não usar do meu direito de boliná-la. Não tive coragem de re-encarar a tristeza que encontrei em seus olhos doze segundos antes. Lembrei então que não deveria vincular minhas ações e emoções aos sentimentos dos meus personagens e recuperei o autocontrole (eu soube desde o início que a gordinha seria uma personagem em minha odisséia). Fingindo um contentamento displicente peguei o rumo da próxima atração deixando-a nas mãos gulosas e desprovidas de emoção do rapaz patético, aquele que acompanhava a mocinha. Antes de conhecer o terceiro fetiche eu já não carregava remorso algum. No terceiro ambiente um casal se esforçava para demonstrar prazer. Era uma interação bem menos interessante que no primeiro quarto, e ao contrário das moças se abocanhando, esses não convenciam. Também não podiam ser tocados. Só olhados. De perto. Em detalhes. Até agora não entendi esse fetiche. Será que ele deveria atiçava o voyeur embutido em todos nós? Não funcionou. Talvez fosse culpa do óleo de amêndoas impregnado em minhas narinas, mas o fato é que tanto eu quanto o casalzinho passamos por eles sem esboçar reação alguma. Nem paramos, entramos diretos, e juntos, no ambiente do quarto fetiche. Uma garota em trajes menores (bem menores) manejava um chicote. Quem, na minha geração, não sonhou ser torturado pela Tiazinha? Era ela. Na hora me pareceu que sim, porém sei que não era, foi pura imaginação. Ela perguntou se eu queria ser açoitado. Agradeci, pela simpatia, e dei passagem para a mocinha visitante que já propunha açoitar seu companheiro. O idiota mereceu apanhar só pela cara de felicidade que fez. Em posse do chicote ela passou a açoitar as costas do namorado. Fiquei deliciado com a euforia que saltava dos olhos e do corpo escultural daquela fêmea. Pela primeira vez em minha vida eu quis ser chicoteado. Saí antes que cedesse as estranhas vontades que se apossavam de mim. O casalzinho ficou aproveitando da maneira deles o quarto fetiche e eu fui conhecer o quinto. Nele, uma garota, até que bonita, me envolveu em seus braços enquanto sussurrava coisas em meus ouvidos: - Gostou do nosso castelo benzinho? - É... Bacana. - Você volta? Promete que volta? Estarei te esperando... - ...?? Acho que ela ficou magoada com minha falta de ânimo. Apertou minhas bolas e eu gemi. Ela sorriu e eu quase que saio correndo do local (doeu mesmo!), porém me controlei e aguardei o casalzinho que adentrava. Os olhos do patéta estavam úmidos e os dela guardavam um brilho quase que selvagem. Eu não sabia exatamente por que esperava o casal, só sentia que seria melhor não me afastar muito da mocinha. Minha intuição raramente falha. Fui agraciado no tal do último ambiente do castelo erótico, que mais parecia um corredor de saída, mas também funcionava como palco para um fetiche um tanto quanto assim, bobo. Uma peladona que se intitulava "Rainha do Castelo" exigia que, entre outras coisas, o visitante beijasse seus pés. O palerma soltou a mão da mocinha e submeteu-se às vontades da rainha. A mocinha ficou parada, na porta, impedindo minha entrada. Não se afastou quando resmunguei um "licença" tentando passar. Fiquei impedido de seguir adiante com minha coxa colada na dela, ela me olhou virando apenas o pescoço, sorriu e não se moveu um centímetro para ceder passagem. Peguei sua cintura com as duas mãos e ela não protestou, apenas arqueou o corpo em oferenda. Desci minhas mãos por suas ancas sentindo o fogo trepidar. A carne quente e a pele macia. Movimentei minhas mãos, acariciando sua barriga, pouco abaixo do umbigo e puxei seu corpo para mim. Ela veio sem resistência alguma até que sua bunda encontrasse meu sexo, já duro de tesão proibido por sob a calça. Ela sentiu o volume e bamboleou as nádegas fazendo pressão sobre o jeans. Meti a mão por debaixo de sua saia e ignorando o elástico da calcinha encontrei seus pelos íntimos. Pressionei os dedos até encontrar lábios quentes e escorregadios. Ela suspirou enquanto sua mão queria arrancar minha calça e tudo que o jeans guardava. Foram alguns segundos apenas e o tempo todo ela ficou atenta ao namorado que babava no joanete da mandachuva local. Quando percebeu que ele terminava o ritual e se levantava, ela saiu lentamente de mim deixando que minhas mãos dessem um último adeus acarinhando as duas bandas da bunda por debaixo da micro-saia. Foi minha melhor ereção na feira. A mais gostosa. Já pensava em transformar a mocinha na protagonista da história que chocaria às senhoras de Santana, quando me dei conta que estava apaixonado por minha personagem. Amadorísticamente eu me deixara envolver. Numa tentativa de resgatar o profissional - que pretendo ser, desviei os pensamentos da mocinha e comecei a pensar diversas outras coisas, inclusive no pompomzinho vermelho que foi o primeiro a me deixar excitado. Todo vermelho o pompom. Quando dei por mim a rainha beijoqueira exigia que eu me ajoelhasse e beijasse seus pés. Beijei para não arrumar confusão e saí do castelo. Entrei na fila dos Contatos Eróticos e instante depois lá vem o casalzinho. Ela na fila feminina, ele na masculina. Por uma dessas razões que a gente nunca vai entender, o público feminino era bem maior, mas as filas para atrações exclusivamente femininas eram menores. A mocinha entrou bem antes na sua versão de Túnel dos Contatos. Uns quinze ou vinte minutos depois ela saiu, descabelada, descomposta e vermelha. Um sorriso tamanho família estampado de orelha a orelha. As orelhas também estavam vermelhas - juro que notei. O rapaz também deve ter notado porque não resistiu trinta segundos e perguntou: - E então? O que é que tem lá dentro? - É um corredor escuro... - Só isso? - Quatro rapazes... - Quatro? - É... Pelo menos eu contei oito mãos! - ...? Não consegui evitar. Ri descaradamente do palerma. Se ele pensou que poderia se vingar bolinando e sendo bolinado por quatro garotas dentro do túnel versão masculina, dançou. A mocinha perguntou se poderia entrar com o namorado. Podia. Não sei o que rolou com a dupla. Mas na minha vez, uma garota de roupão veio dançar na minha cara. Eu algemado, sentado na penumbra e ela rebolando diante de mim. Tirou o roupão. Bonita. Tirou a parte de cima do lingerie branco. Linda! Tirou a parte de baixo. Maravilhosa! Tirou tudo... E eu espichando a cabeça. Mãos atadas, só olhando. Fui conduzido ao outro estágio do corredor escuro. Tiraram minhas algemas e vendaram meus olhos. Uma voz avisou ao meu ouvido: - Você será tocado pelas garotas e não poderá tocar nelas. Concorda com a regra? - Claro! Alguém já discordou? - Ninguém. - Então não serei o primeiro. Duas garotas vieram e abusaram de mim e depois me conduziram para outro estágio: - Aqui você pode usar as mãos. - Jura? Ouvi um riso feminino. Bem safado. Tateei no escuro e encontrei um corpo. O corpo saracoteava entre meus braços. Meu primeiro impulso foi conferi se era mesmo mulher. Era. Abusei. Vieram mais duas garotas e fiquei bobo. Três só para mim? Usei minhas duas mãos, dois pés e... Meu segundo impulso falhou e fiquei atabalhoado considerando as vantagens em ter várias mãos. Queria ter oito pelo menos. Mesmo não sendo um homem-polvo consegui alguma diversão e sai descabelado, descomposto e vermelho. Acho que saí também com um sorriso imbecil, tamanho família, estampado na cara. Pensei em esperar o casal só para conferir o visual dos dois. Achei melhor não. O pateta poderia pensar que eu estava interessado na garota dele, de tanto que eu olhava. E eu estava... Interessado... "Tudo bem, eu ainda sou escritor amador!" - admiti minhas limitações e meu terceiro impulso foi voltar para o túnel em busca da mocinha. A persistência em ser profissional me refreou os cinco impulsos seguintes. Uma garota, feia, não refreou seus impulsos. Repetiu a visita ao Túnel dos Contatos mais de cinco vezes. Abordei-a na fila para a quarta visita e perguntei se estava se divertindo. Ela respondeu com convicção: - Eu e os rapazes lá dentro! Já que podia entrar casal em ambos os lados, um senhor de meia idade entrou com a esposa, de idade inteira, no lado feminino. Não fiquei para ver, mas imaginei o tiozinho sendo encoxado por, pelo menos, dois garotões sarados... Esse casal tinha cara e jeito de quem morava em Santana. Ainda com ingresso para mais uma atração, decidi aguardar um pouco antes de gastá-lo. Fui até o palco assistir as performances das dançarinas e stripers que, de hora em hora, simulava relações e interagia com o público. As apresentações no palco eram as mais freqüentadas, talvez por serem gratuitas. Durante o show a comédia maior ficava por conta da timidez de alguns em contraste com as frangas soltas de outros, pois os dois opostos se encontravam na platéia. Os afoitos pulavam no palco tentando passar a mão nas partes íntimas da dançarina-modelo-atriz que se apresentava. Os tímidos permaneciam estáticos, atento a tudo, mas com as mãos nos bolsos. Um homem de terno ficou o tempo todo num vai e vem de passos e olhos. Não entrou em nenhum estande, não participou de nenhuma atração e não mostrou as mãos. Quando a equipe de televisão apontou a filmadora em sua direção, ele encontrou a porta do sanitário masculino aberta e se perdeu entre pias e vasos. Voltou quando acabou a reportagem, apesar de as câmeras estarem mais interessadas no rapaz, com sotaque Piracicabano, que subiu ao palco e não fez feio diante da dançarina erótica. Foi aplaudido pela platéia e agraciado com um beijo da profissional. Só abandonou o palco quando um dançarino musculoso e seminu, veio em sua direção, rebolando. Dividindo o palco com as apresentações erótico-dançantes, algumas garotas apenas tiravam a roupa, sendo que as bonitas eram ovacionadas e as feiinhas execradas sem piedade: - Põe essa roupa! - Socorro! Ela quer ficar nua, alguém, faça o favor de impedir essa maluca! Quem não era cruel apenas ria. O riso virava uma vaia quando entrava um marmanjo dançando dentro da fantasia de Batman. Batman! Pode? Pode! Mas como um Batman seminu não é coisa que se apresente às senhoras católicas, embora pudesse enriquecer minha futura crônica, eu resolvi não utilizar essa deixa. Havia tantas alternativas, pra que agredir? Inclusive eu fiquei tentado a descobrir a profissão desses artistas quando não estão trabalhando em eventos eróticos. Isso sim poderia enriquecer minha crônica, mas não perguntei. Lembrei que a tentação é coisa do diabo. Fiz o sinal da cruz, me benzi e ri da striper feia que subiu ao palco. Apenas ri, que não sou cruel. Depois de um tempo apreciando as atrações e distrações no show gratuito, decidi gastar meu último ingresso no Salão das Sensações. Vendado e algemado, novamente, fui perguntado se preferia mulheres, homens ou ambos: - Mulheres. Várias mulheres! O recepcionista conferiu a venda em meus olhos, me empurrou para dentro e gritou: - Tá entrando uma "Mona". - Tô fora! - protestei e voltei para a saída. O sujeito riu e encorajou-me: - Entra aí que você não vai se arrepender. - Sem sacanagem? - Muita sacanagem! Re-voltei e entrei. Entregaram-me algo. Pareceu-me que era um pênis de borracha. Soltei e protestei. Em resposta ao meu protesto fui abraçado. Deu para perceber que era corpo feminino, mas estava algemado e não pude conferir dessa vez. O sussurro quente no meu ouvido era feminino: - Tem alguma fantasia bonitão? - Quantas garotas têm aqui? - Quantas você queria? - Pensei num rodízio de bocas... - Aqui? - ela botou a mão por sobre minha calça. - Isso. - Hummm que delícia. - ela sussurrou enquanto abria meu zíper. Ninguém vai acreditar, mas eu juro que por alguns momentos, eu não consegui contar quantas mãos estavam em minhas pernas. - PARTE FINAL - Contando assim pode parecer que nesse evento tinha muita sacanagem, mas não, todos movimentos eram mais insinuados que realizados. Vendado e algemado recebendo carinhos de várias mulheres pode sugerir perversões, mas nada se concretizava. Zíperes abertos apenas para atiçar vontades que não seriam satisfeitas. Os contatos eram de corpos seminus, suados e semiquentes sendo ofertado ao visitante que nada podia fazer, só sentir. Nada de pornografias, nada explícito, apenas sensações... Bem apropriado. Devo ter sido o último visitante antes do intervalo no parque erótico. Os integrantes dos espetáculos saíram para um lanche. Riam e brincavam entre si como se estivessem fazendo um piquenique, de tão esquecidos que estavam que eram integrantes do banquete servido ao público. Mesmo trabalhando por dois dias seguidos com gente diversa, e tipos distintos, os atendentes e funcionários do parque mantinham o bom humor. Várias vezes flagrei os mesmos em explícita camaradagem. A moça com capa de vampiro cobrindo o musculoso (o da tanguinha branca), que também fazia uma pausa. Depois ficaram ali, quietos. Ele fumando um cigarro e ela filmando o movimento com seus belos olhos azuis. Nem por um segundo vislumbrei malícia, erotismo ou sacanagem no gesto da moça cobrindo seu colega de trabalho. Também não parecia querer cravar seus caninos na jugular do moço. Uma boa vampira, sem trocadilhos. Naquele momento eram apenas operários descansando da tarefa de expor seus corpos, nem sempre bem torneados, em troca de dinheiro. Talvez nem fosse por dinheiro e alguns estivessem lucrando com suas taras e fantasias de tocar ou ser tocado por estranhos, ou estranhas, tarados e gulosos. A outros talvez importasse apenas suprir carências psicológicas, ou patológicas, e aceitariam qualquer gesto banal que pudesse ser identificado como carinho. Pagos ou gratuitos. Pensei que talvez nem eles soubessem a verdadeira razão de estarem ali. Durante o pequeno intervalo contei umas cento e cinqüenta garotas. Seus rostos demonstravam apenas cansaço. Nada naquelas mulheres denunciava suas origens, seus sonhos. Não me atrevi a perguntar se trabalhavam naquele festival de suor, riso e corpo por vontade própria ou por vontade imposta. Não achei que tinha o direito de saber histórias, eu teria que criá-las. Não tive tempo e interesse em contar o número de homens trabalhando. Suas histórias também sairiam da minha imaginação, bastava saber que os personagens existiam. O resto todo era comigo. Cansado e faminto eu desisti de tentar compreender os motivos daquela gente. Resolvi cuidar de mim. Rumo a lanchonete parei no sanitário em busca de alívio fisiológico e higiene para as mãos antes de comer. O piso molhado recebia os pés descalços dos musculosos de sunga branca e os sapatos dos visitantes. Senti nojo. Vim embora faminto e com as mãos molhadas. Em casa a primeira coisa que fiz foi tomar um banho, depois sentei para escrever sobre o evento e pessoas que encontrei. Desisti de ficcionar algo que possa chamar a atenção das senhoras católicas de Santana, se pretendo ser escritor não devo provocar instituições gratuitamente. Minha mente, enquanto escrevo, está compenetrada nas palavras que devo ou não utilizar. Os dedos pulam nas teclas sem nenhuma malícia ou propósito, quero apenas narrar o evento. Excluindo essa fome que me perturba desde que saí da feira erótica, eu me sinto leve e puro. Tão puro como se tivesse acabado de sair da missa.
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