PARA EXORCIZAR A MELANCOLIA
João Paulo de Toledo Camargo
 
 
Não tinha o costume de perder o sono com facilidade. Porém, nada como uma péssima semana para perturbar o sono de alguém, seja de um justo ou de um corrupto. No caso em questão, o sujeito que virava de um lado para o outro na cama era relativamente justo, com pecados leves em sua ficha que não faziam dele nem pervertido nem santo. O que importava, porém, era que não conseguia dormir, devido às lembranças de tudo pelo que tinha passado recentemente. Sua situação só tinha a piorar com o fato de que tinha, no dia seguinte, de entregar sua crônica para a revista.

A crônica estava pronta. Mas era de terrível qualidade e não tinha tempo para redigir outra. Trabalhava como jornalista e colaborava para uma revista semanal de pequena circulação com um texto sobre qualquer assunto. Um comentário de um amigo fazia parte daquela citada péssima semana: o colega de trabalho havia dito com muita propriedade que suas crônicas eram melancólicas. Mas que culpa tinha se aquilo que escrevia refletia a vida real, e principalmente, a sua própria vida e personalidade? Dois dias antes da fatídica noite de insônia, tinha levado um tremendo fora de uma garota.

Ainda pensava nela, como não poderia deixar de ser, do contrário estaria dormindo. Tinham sido amigos por um mês, mas uma amizade tão intensa que provavelmente havia-o levado a confundir com amor, o que, sabia, também passara pela cabeça da moça. E foi tal confusão que o levou a convidá-la para um jantar, que ela recusou sem pestanejar e ainda por cima disse que estava namorando um cara incrível, um verdadeiro anjo, fazia já duas semanas. Assim, ficara arrasado e arrasado continuaria por uns dias. Levantou-se da cama, foi tomar água e ao banheiro... Voltou...

Melancolia, pessimismo... poderiam chamar do que bem entendessem, pois continuaria a repetir seu ditado pessoal: "espere sempre o pior; se isso acontecer, pelo menos estará preparado para ele; caso contrário, ficará gratamente surpreso por ter ocorrido algo melhor". Pois esse algo melhor ainda não aparecera para ele, uma vez que continuava solitário, com uma crônica idiota pronta para ser entregue e manchar sua reputação e assombrado pelo espectro da melancolia... Enfim venceu a insônia e adormeceu, pronto para um novo dia. Quando acordou, todos os problemas persistiam.

 
 
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