RETAS
E INSENSATEZES
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Beto
Muniz
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"Nos
abismos de meu peito,
ou céus de minha mente, ardeu o fogo dos olhos teus". Um belo par de olhos pode facilmente me proporcionar noites e noites em claro. Os olhos, que alguém já disse serem as janelas da alma, são as fontes das minhas insensatezes. Da insônia à insensatez há uma reta curta metamorfoseada num telefonema para a dona do par de olhos que ardem nos céus de minha mente: - Estou a caminho... - JURA? - Juro, e se você deixar, fico a noite toda. - Eu deixo! QUE LOUCO! - Até já... Beijo. Não preciso combinar a ligação. Essas coisas me acontecem. As vezes são sonhos, outras vezes nem são vontades lógicas ou estudadas. Na realidade são instantes que se acendem num amontoado de paixões e demências. É certo que esses instantes se acendem com menos freqüência que nos tempos de dezoito ou vinte anos, porém ainda queimam no peito e nos pensamentos me ofertando certezas de que sou um eterno romântico em busca de aventuras. Amo, claro que amo. Amo duas, três, cinco ou vinte pessoas com a mesma intensidade e ao mesmo tempo. É possível! Lindamente possível. Posso amar por um segundo apenas, como também sou capaz de alimentar um flerte por tempo indeterminado, desde que a lembrança de um belo par de olhos permaneça gravada em minha memória. São os olhos! Os olhos são as fontes das minhas insensatezes. Mas às vezes eu amo alguém por uma frase, por um gesto, por instinto. A moça do telefonema acima tem lindos olhos, porém eu a amei pelo sussurro franco durante a despedida no primeiro encontro: "você me dá umas vontades...". Eu quis dizer que ela também me despertava vontades, mas ela já se ia longe. Fugindo. Levando meu sono e minha lucidez. Fui. Estrada reta e sol em ocaso como minha sensatez. Chego com uma flor, barba por fazer, corpo cansado e sorriso de vontades despertas. Sou recebido por um corpo cheiroso, cabelos ainda molhados e pouca roupa. Meu espírito e meu corpo se rendem à mão quente de mulher que me acarinha com os olhos fechados. Todos os desejos são expressados nos beijos e abraços enquanto a flor vai murchando, esquecida sobre a mesa. Nossas vontades arrefecem pouco depois da meia noite e, apesar do frio e da chuva, podemos sair pela madrugada em busca de alimento, que a fome pede solução urgente. Estou em solo estranho, guiado pela fome e, talvez por isso, paro num bar-restaurante freqüentado por gays, lésbicas, simpatizantes e desencanados. Eu, que sou desencanado e mentiroso, parei pela música. Sem me importar com os flertes do rapaz de boina verde que atende no balcão, peço uma massa e uma bebida vermelha. Ela... eu não me lembro o que ela pediu. Comemos enquanto falamos de nossas vidas, anseios, amores e profissões. Só não falamos de nossos medos, que não convém falar sobre medos numa noite de chuva. Brindamos as paixões diversas, a realização explosiva de duas vontades e nos divertimos com todo o resto. Nessa alegria, vigiada pelo rapaz de boina, ganho beijos vermelhos, tintos como o vinho que nos embriaga. Na madrugada podemos dividimos a mesma bagana, o mesmo álbum de fotos e as mesmas canções. Depois dormimos abraçados sentindo os corações se acalmarem dentro do peito. Amanhece e o sol não sai para dar bom dia. Eu me despeço cinco ou seis vezes, sem coragem de dizer o adeus definitivo. Os adeuses indecisos permanecem até que pergunte, só por perguntar, como quem fica bobo diante de olhos tão lindos: - Vem comigo? - Aonde você vai não me cabe. Você me deixaria na avenida e seguiria seu caminho... Fala assim, sem mágoa, só com a certeza de quem controla a lucidez mesmo diante de insensata maluquez. Sou obrigado a concordar quase que pedindo desculpas: - Então tchau... - Boa viagem, amor. Beija-me a boca e eu acelero levemente com a vontade de ficar bem maior do que a vontade de ir. Pelo retrovisor vejo que ela fica com uma vontade contrária à minha. Vontade intensa de vir. Minha lucidez volta quando estou longe, na estrada, com sono. Mas não durmo ao volante, instante depois já estou pensando em outro par de olhos. Como eu estava dizendo, um belo par de olhos pode facilmente me proporcionar noites e noites em claro.
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