BEIJOS, BEIJOS, BEIJOS
Mairy Sarmanho
 
 
Ninguém pode sentir o gosto de teus beijos, a não ser eu. Foi o que eu prometi ao vê-lo pela primeira vez. E fui repetindo isso sempre, a cada momento, a cada toque, a cada afago, como se a próxima vez não fosse acontecer, como se o mundo fosse terminar amanhã. Ele achava graça de minha afirmação, como se o tempo não fosse implacável e a roda do destino não girasse sempre na mesma direção...

Infelizmente, eu tinha razão. Tive razão ao sentir seu último beijo, frio, seco, sem gosto, como apenas a morte é capaz de beijar. E nunca mais ninguém sentiu o gosto adocicado e macio daquele beijo... Isso já faz anos. A roda do destino continuou a girar mas eu não permiti que me pegasse novamente. Ainda sinto o gosto de seu beijo, o primeiro, o segundo, o terceiro e os milhares que seguiram-se em todo tempo que permanecemos casados. Não conseguiria novamente beijar do mesmo jeito, com o mesmo afeto, carinho, amor...

Não tivemos filhos. Não os quisemos, não os tentamos, não os geramos. Adotamos cães, gatos, passarinhos e outros animais que porventura bateram em nossa porta e permitimos que entrassem. Apenas o meu olhar cruzava seu olhar humano, e nos certificavamos que nada iria atrapalhar nossa paixão, nosso êxtase. Disseram que éramos egoístas, pois tínhamos tanto amor um pelo outro, que deveríamos tê-lo por algum bebê sem lar. Mas as crianças crescem e eu não consigo acreditar que um adulto possa ser bom comigo como foi o meu marido. Ele também tinha a mesma descrença no humano. E nos refugiamos em nossos beijos como a única coisa real do mundo...

Jamais alguém beijou com tal ternura. Disso tenho certeza. Nossos lábios ocultavam nossas almas, e quando se tocavam, eram as almas que compactuavam o momento.

Fomos felizes? Tanto que não sou capaz de confessar. Iriam achar um crime a felicidade que nos tocava a cada segundo, a cada gesto, a cada troca de olhar, a cada beijo fugidio, a cada carícia descuidada... Não creio que haja no mundo amor maior do que o nosso, intocado, permanente, sobrevivente...

Com um beijo me despedi de meu amor. E ficarei aqui, sozinha, esperando por um descuido da ordem universal das coisas, para me juntar a ele. E enquanto isso não acontece, estou aqui, escrevendo, remoendo o gosto que ainda sinto na boca dos longos beijos que trocamos por toda eternidade da vida...

 
 
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