BOCA
DE LOBO
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Luís
Valise
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Ela não tinha bem certeza se era mesmo aquilo que queria, mas agora já não era possível recuar. Uma língua quente e delicada se insinuava entre seus lábios e deslizava macia um vai-e-vem acariciante entre sua própria língua e o céu da boca. Gostou do que sentiu e sorveu, a princípio cuidadosa, e depois gulosamente, aquele pedaço acolchoado de madrepérola. Depois de um tempo, como numa cópula de enguias numa gruta submersa, o nervo macho recolheu-se para receber em si o órgão fêmeo. Ela agora seria capaz de jurar: - aquilo era tudo com que sempre sonhara. Afastou sua boca de lábios vermelhos por alguns milímetros, o suficiente para sentir novamente o cheiro docemente morno de desejo e entrega, e então prendeu-lhe a boca na sua. Chupou-lhe os lábios à meia-pressão, enquanto meneava a cabeça no sentido contrário dos movimentos que ele fazia. Mordiscou com forcinha. As bocas brincavam de escapar, antes que o maçarico das línguas derretidas voltasse a cuspir riscos de fogo sólido. Ela penetrou-o com a língua primeiro pela comissura dos lábios, e escorregou por entre as membranas da gengiva e da bochecha. Ali ele não tinha defesa. Nunca ninguém entrara por ali, e ele deu um gemido baixo de agonia estranha. Mesmo assim (ou por isso mesmo) apertou mais o peito contra seus seios. Com um volteio caprichoso de cabeça ele conseguiu engolfar a língua dela ali onde ele conhecia, no centro da sua boca. Imobilizou-a com um chupão decidido. Sentiu-a dominada. Relaxou a pressão, e com a ponta da sua língua principiou a desenhar arabescos sinuosos, enquanto ela flutuava em sua boca como um tapete voador feito de seda. E a derradeira moldura na memória: por sobre suas cabeças rojões explodiam comemorando a chegada da seleção campeã. Chuvas de ouro e prata, pétalas multicoloridas. Luz. Mas aquelas vidas eram separadas pela própria vida, e seguiam paralelamente sós, inda que beijando outras bocas. Nunca mais outro beijo como aquele. A esperança, fada que encanta gênios e imbecis, vivia soprando em seus ouvidos prosopopéias de reencontros. Um belo dia, assim não mais, toca o telefone. O imbecil, que se julgava um gênio, atende com a displicência dos suficientes. A boca do beijo lhe pergunta, à queima-roupa: - Por quem rugiam os rojões há um ano? A boca subitamente seca e muda. Os olhos procuravam aflitos a folhinha. Um ano... rojões... A chegada da seleção! Do outro lado o telefone é desligado. Ele se amaldiçoa: devia ter beijado menos e conversado mais! Como vou adivinhar que ela não gosta de futebol? |