DOCE
DE ABÓBORA
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Larissa
Meo
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"O
homem rouba o primeiro beijo,
implora pelo segundo, insiste no terceiro e os outros vem no vácuo" - Maria Clara, a mulher invisível - Quando eu era criança adorava imaginar que seria igual à Cinderela, com sapatinho de cristal e príncipe encantado a tiracolo. O mais engraçado na minha percepção infantil do conto dos irmãos Grimm foi que eu não elegi o momento do casamento da princesa, seguido pela frase "e foram felizes para sempre", como o mais legal. Eu gostei mesmo foi daquela coisa da transformação da abóbora. Sei lá, talvez eu tenha crescido uma abóbora e por isso me sinto como tal. Só que lá bem no fundo do meu baú consciente eu quero mesmo é virar carruagem, com opcionais do tipo teto solar, freios ABS, e ar condicionado. Essa coisa de ter de falar sobre a gente é meio perigosa. No começo a gente fica um pouco tímida, mas logo vai se soltando. E só depois de um tempo você se dá conta que já está viciada. A necessidade de falar e ser ouvida é tanta que quando você vê está fazendo terapia até com você mesma. Do tipo você pergunta e você responde. Hoje eu contei esta história para o psicoterapeuta durante a minha sessão e ele me disse que estou começando a filosofar e a questionar minha condição. Achei muito profundo. Perguntei então se o tal processo pode ser passado por osmose para outras pessoas e ele disse que não. Fiquei um pouco decepcionada, mas superei logo, pois sabia que o Roberto não é como o Marlon Brando. Saí do consultório angustiada com a idéia de ser uma abóbora e não parava de pensar na dialética entre os sexos. Ela estava muito explicita na minha mente e sinalizava para todos os desencontros que temos com nosso par. Um quer se envolver o outro quer curtir. Um é azul o outro rosa-choque. Historicamente tudo começou tão bem com Adão e Eva lá no Jardim das Delícias. Adão completava Eva e Eva completava Adão. Um paraíso, diga-se de passagem. Aí veio a tal cobra e o Adão teve que matar e mostrar o pau. Neste ponto a gente vê que os homens não evoluíram nada, pois continuam impetuosos. Já em casa, continuei filosofando sobre a questão dos sexos e entendi que não dá pra engolir aquela tese de que viemos de mundos diferentes. Pessoalmente acho esta explicação chatíssima e limitante, pois a coisa se encontra no plano mais terreno. Sentada na sala olhei para a estante de livros e avistei o Pequeno Príncipe. Quem nunca leu não sabe que é responsável por tudo que cativa. Aí eu me perguntei porque ele não é um livro obrigatório para os meninos, mas faz uma diferença enorme no currículo para as candidatas a Miss. Enquanto preparava o jantar continuei minha viagem mental sobre os Contos de Fadas. E ao cortar as cebolas para a salada, cheguei a conclusão, cheia de lágrimas nos olhos, de que estes sempre terminam bem, apesar de começarem meio tortos. Já as histórias das pessoas comuns, como nós, nunca se sabe como vai terminar, apesar do divórcio ser uma benção em algumas situações. O que posso garantir é que todas as histórias começam com um beijo. Se o beijo não der certo pode esquecer. Não há macumba, oração ou simpatia que dê jeito, já que a questão é química. Pensando ainda na dialética dos sexos chego a filosofar que o beijo é um dos poucos itens que agradam em gênero, número e grau tanto homens quanto mulheres. "Macarrão sem queijo é igual a amor sem beijo" diz o ditado italiano e no século XIX. José de Alencar já romanceava sobre o português doido pra beijar a virgem dos lábios de mel. E já que o beijo é pré-requisito para dar início a um conto de fadas é preciso não se iludir e seguir à risca o conselho de uma amiga de que antes de se decidir por uma boca fixa é preciso conhecer várias antes. Durante o jantar, entre uns brócolis e batatinhas, minha mente continuou vagando de história a história, umas fantásticas, outras nem tanto, e os vários tipos de princesa que se encaixam em cada uma. Na minha fantasia de criança eu nunca quis ser Cinderela, uma Amélia que espera o príncipe fazendo faxina na casa da madrasta. Isso soa é que é ser mal amada. Eu na verdade queria era ser a abóbora para me transformar em algo melhor, pensei. Foi então que Roberto me perguntou o que teríamos para sobremesa. E eu respondi no ouvido dele: doce de abóbora, mas só depois que as crianças forem para a cama. PS: No filme Don Juan De Marco, Marlon Brando pergunta a Fay Danway , sua mulher na história, quantos sonhos ela deixou de realizar para continuar casada com ele. E ela respondeu, quase chorando, que achava que ele nunca iria perguntar. |