O BEIJO
François Porpetta
 
 
Alguns beijos marcam mais por não terem sido dados, mais pelo não do que pelo sim.

Recife, coisa de uns 10 anos atrás.

Avenida Conselheiro Aguiar, vitrine de putas espalhadas ao longo de 2 quilômetros, mais do que nunca, disputando dólares de gringos, alemães ou italianos.

Justo ali, em frente ao Sampa Night Club, principal ponto de reunião das meninas que Andréia tinha de morar! Apartamento fino, um por andar, mas em frente ao Sampa.

Andréia era uma amiga bem especial, das poucas que me entendia em todos os sentidos, mas folgada, e que me obrigava a ficar esperando na frente do prédio por pelo menos meia hora. Tipo entre 10 e 11 da noite, tempo inevitável de acabar fazendo amizade com as "primas".

Eram sempre as mesmas - bom, isso pelos cerca de seis meses que apareci por lá - e quase sempre, tudo gente boa. Conversávamos muito. Quanta filosofia e cervejas foram saboreadas na barraquinha da esquina, lá pelas 2 ou 3 da matina quando voltávamos, e as encalhadas, ou as felizardas que já tinham voltado dos "pograma" estavam lá papeando...

Soninha, moreninha de corpo certinho, um totózinho, toda proporcional, toda bonitinha, ex-caixa do Bom Preço, por absoluta necessidade, topou o intopável: sair com um pernambucano, e do sertão!.

Elas odiavam gente da terra. "Tudo uns brutos, mal educados"... tinham medo de apanhar. Nisso os gringos, que pagavam em dólar, levavam a vantagem de, embora exploradores, serem gentis. Havia o sonho de princesa... morar na Europa... "a Daniela tá lá"!

Era hilário ouvir a Soninha contando o causo:

- Vixe! o bofe queria um beijo, e de língua! Pagava dobrado, mas era tarado por um beijo!

- Neguei de tudo quanto foi jeito, mas o desdentado insisitiu. Até que deu o ultimato:

- Ou um beijo, ou a bunda!

Era de morrer de rir, Soninha ria mais do que todo mundo. Nem pestanejou, virou de quatro, barriguinha encolhida, bundinha arrebitada (pudera, tanta gente já tinha comido mesmo) e liberou pro bofe se divertir.

Não gosto nem de imaginar a cena. Soninha alí, não teve em que se apoiar - agarrou o travesseiro, e ela, sim, beijou! Beijou como na música, como se fôsse um príncipe, como se fosse o último, como se fosse o único, como se fosse...

Foi embora toda feliz e rebolando, já podia pagar todas as prestações. Entrou no táxi de sempre, virou para nós e sorriu o sorriso de quem sabe das coisas.

Andréia virou pra mim e disse:

- Fosse eu, eu beijava!

O beijo é sagrado. É para poucos e especiais. É, para mim, a forma mais sublime de sexo, para ser usado nos momentos certos. Somente um ser como a Soninha, profissional da coisa, e humana, poderia saber dar valor ao beijo!

Nunca mais beijei Andréia.

 
 
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